Daniel Cossi, presidente da CBDEL (Foto: Reprodução/Facebook)

Presidente da CBDEL nega acusações de favorecimento em depoimento à Polícia

Daniel Cossi prestou esclarecimento sobre caso de seletiva do Pan em 2023

Daniel Cossi, presidente da Confederação Brasileira de Desportos Eletrônicos (CBDEL), negou as acusações contra a entidade e afirmou à Polícia Civil de São Paulo que as denunciantes cometeram "flagrante equívoco", no depoimento que prestou no último dia 14 para investigação solicitada pelo Ministério Público (MP-SP) sobre caso do suposto favorecimento ao time ligado a uma ex-funcionária da confederação.

A Dust2 Brasil teve acesso ao depoimento, no qual Cossi afirmou que "a CBDEL não praticou estelionato ou qualquer outro ilícito mencionado nos autos, pois nunca interferiu em resultados ou lesou terceiros".

O presidente da CBDEL disse também "que os crimes indicados na denúncia insertos na Lei Geral do Esporte não se aplicam a jogos eletrônicos por força do paragrafo único do artigo 1º da referida lei que considera esporte toda forma de atividade predominantemente física e que tenha por objetivo a prática de atividades recreativos, a promoção de saúde o alto rendimento esportivo ou o entretenimento".

Cossi começou o depoimento afirmando que a equipe formada pelas denunciantes, na época representando a God Genesis, chegou a assinar um contrato para disputar a etapa feminina do Panamerican Esports Games 2023, campeonato que acabou cancelado pela International Esports Federation (IESF).

"O contrato deixou de existir diante da falta de realização do Pan feminino de CS:GO. Logo, o contrato citado na denúncia perdeu sua validade e não habilitou a equipe para qualquer evento internacional e que, no próprio processo, já foram juntadas troca de mensagens entre as denunciantes em que reconhecem que o contrato perdeu a validade. Diante deste quadro, cada entidade nacional passou a ter a competência para habilitar equipes para o Pan de 2023", explicou.

Por conta disso, de acordo com o presidente, a CBDEL tomou as medidas para selecionar o time que representaria o Brasil e a entidade no Pan: "Iniciando pelo chamamento das equipes interessadas em disputar uma vaga", disse Cossi, que completou afirmando que a God Genesis soube do chamamento e se inscreveu para a disputa nacional que serviria de seletiva.

Linha do tempo

A CBDEL realizou dois chamamentos em 2023. O primeiro aconteceu em 7 de abril e só teve a God Genesis inscrita. As jogadoras assinaram contrato, enviados à IESF pela confederação brasileira. Porém, outra convocação foi feita em 11 de maio. Nessa, além da God Genesis, a Storm Power também se inscreveu. Essa equipe tinha como manager Jennifer Souza, na época também gerente de esportes digitais da entidade - Souza deixou a entidade em 18 deste março após nova denúncia.

Publicação do 1º chamamento da CBDEL para o CS feminino (Foto: Reprodução/Instagram)
Publicação do 2º chamamento da CBDEL para o CS feminino (Foto: Reprodução/Instagram)

Na época, tanto para a God Genesis, como também para a reportagem, a CBDEL afirmou que a nova convocação foi uma ordem da federação internacional, enquanto que para a Storm explicou que havia cometido um erro de publicação.

A justificativa da CBDEL para a God Genesis sobre a IESF ter ordenado que outro chamamento está registrada no grupo no WhatsApp no qual estavam as jogadoras, o dono da organização Arthur Noal, além do diretor de esportes digitais da confederação Ulisses Witter e a gerente de esportes digitais da entidade Danielle Torok. A reportagem teve acesso às conversas e elas também estão presentes nos autos da investigação.

Witter revelando nova convocação no grupo entre CBDEL e God Genesis (Foto: Reprodução/WhatsApp)
Torok corroborando que novo chamamento foi ordem da CBDEL (Foto: Reprodução/WhatsApp)

Contudo, na época, as jogadoras procuraram a IESF questionando a federação internacional se a entidade teria ordenado a CBDEL a fazer um chamamento. Simona Ivanovska, que faz parte do comitê de atletas da IESF, recebeu uma reclamação formal das jogadoras e inclusive chegou a conversar com as atletas. Nessa reunião a executiva garantiu que a federação internacional não mandou a CBDEL refazer a convocação.

A mesma informação foi dada por Igor Nedeski, manager de competições da IESF. Procurado pela reportagem, Nedeski confirmou tanto que foi questionado pelas brasileiras, como também que a federação internacional não deu ordem alguma e complementou que "a federação possui o direito de escolher quem representa o seu país".

A reportagem também chegou a conversar com Fabiano "FHC" Heidrich, CEO da Storm. Ele afirmou que a CBDEL teria feito uma publicação da seletiva com a data errada. "Montei o time e fui fazer a inscrição dentro do prazo que eles publicaram quando me informaram que a seletiva já tinha ocorrido. Na realidade nem seletiva teve, pois só teve um time inscrito. Como havia uma data anunciada na rede social, cobrei deles que a data anunciada fosse cumprida já que tínhamos montado um time só para essa seletiva. Eles discutiram internamente e resolveram, em função do erro da publicação, fazer uma nova seletiva", disse.

FHC completou dizendo que, após a reclamação, a CBDEL realizou reuniões para decidir o que iriam fazer: "Se consultaram a IESF ou não, não sei te responder. Apenas afirmei junto a CBDEL que eu entendia que esse erro estava prejudicando muita gente, não apenas o meu time já que imaginei que outras equipes também estavam esperando a data anunciada para fazerem suas inscrições".

Quando questionado sobre quem informou a Storm sobre o erro na publicação, FHC disse que conversou com a entidade, "pelo que se lembra", por "um dos grupos deles". "A CBDEL tem vários grupos, mas não lembro exatamente em qual grupo foi ou quem me respondeu sobre o erro. Como minha manager geral da Storm assumiu esses tipo de contato acabei saindo de todos os grupos", disse.

O CEO da Storm também disse saber que Souza "exercia (ou exerce) algum cargo na CBDEL. "Até onde sei, (o cargo) não era ligado ao PUBG e, até onde eu sei, não era ligado ao CS, pois o responsável pelo CS é o Ulisses Witter. Mas qual exatamente a função dela na CBDEL eu realmente não sei", afirmou, complementando dizendo que Souza era quem o avisava dos prazos de inscrições dos eventos da confederação brasileira.

"Flagrante equívoco"

Apesar de ciente de que a investigação é sobre o Pan de 2023 já que, no próprio depoimento afirmou que as denunciantes assinaram contrato para a disputa do evento, Cossi afirmou que, "em relação a denúncia de influência indevida por conta de Jennifer ser integrante da CBDEL, houve flagrante equívoco das denunciantes em utilizar um evento de 2022, campeonato de PUBG vencido pela Storm no Pan de 2022 na Argentina. Ou seja, outro jogo diverso da modalidade disputada pelas denunciantes e em outro ano para insinuar que houve dirigismo nos resultados das disputas".

Porém, conversas obtidas pela reportagem na época, mostram que Souza, em 27 de abril entrou em contato com uma das integrantes da God Genesis a fim de saber se a line toparia mudar de organização para disputar a seletiva do Pan 2023 pela Storm. Mas foi da própria jogadora que Souza soube que a atleta era da God Genesis.

Ainda na conversa com a atleta da God Genesis, Souza mostrou uma planilha com as vagas que cada região das Américas tinha para o mundial da IESF, além das datas da seletiva brasileira referente a segunda convocação - informação esta que, também em 27 de abril, as jogadoras da God Genesis questionaram à Witter e Torok, mas não tiveram resposta.

"Vocês iriam representar um time, se você quiser eu mando o nome desse time, para um qualify brasileiro. Eu sou da seleção brasileira e vamos disputar o mundial na Romênia. Então, seria assim: só tem um time cadastrado até então no CS:GO feminino e vocês iriam disputar um qualify contra esse time e se vocês ganhassem vocês iriam para as Américas disputando uma vaga para a Romênia", disse em mensagem de voz.

Outro conflito de interesse

Além de afirmar que as denunciantes cometeram "flagrante equívoco", Cossi apontou no depoimento que o dono da God Genesis também fez parte da CBDEL inicialmente na gerência e coordenação geral, chegando a direção da entidade até abril de 2023. "Este fato foi tangenciado pelas denunciantes", afirmou.

"Se ser integrante da CBDEL é sinônimo de ilegalidade, a equipe das denunciantes estaria na mesma situação da outra, a vencedora da disputa pois seu dirigente também integrava a alta cúpula da CBDEL. Nunca houve ganho obtido pela CBDEL e partilha entre seus integrantes", completou.

Cossi ainda contou a polícia que "a única premiação devida aos participantes e times representando a seleção da CBDEL são os times participantes do Pan 2022 na Argentina. Até os dias de hoje eles não foram pagos e não houve repasse para a CBDEL e nem para outros dois países que também foram bem classificados, o Equador e o Peru".

Depoimentos dos outros investigados

Não só Cossi, como também Witter, Torok e Souza foram intimados a depor. Todos os quatro depoimentos estavam marcados para o dia 14 deste mês na 7ª Delegacia Policial (DP) de Jundiaí. Contudo, os depoimentos do trio não constam nos autos - atualizados pela última vez em 24 de maio, conforme mostra a plataforma de consulta de processos (e-SAJ) do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

A fim de saber se o trio prestou depoimento, a reportagem ligou para a 7ª DP e falou com o escrevente Danilo Otoch Demetrio de Souza, quem colheu o depoimento de Cossi. O escrevente afirmou que não poderia conversar com a imprensa sobre o caso e sugeriu que um pedido de posicionamento fosse feito para a Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP).

A reportagem questionou a SSP-SP, via assessoria, se Witter, Torok e Souza também prestaram depoimentos, mas como resposta recebeu: "A autoridade policial realiza oitivas e demais diligências visando o esclarecimento dos fatos. Detalhes serão preservados para garantir a autonomia do trabalho policial".

O Ministério Público de São Paulo também foi procurado, sendo feitos os mesmos questionamentos, mas não retornou até a publicação desta matéria.

Mais prazo para investigar

No último dia 22 o delegado encarregado do caso Marcos Luchesi Farias solicitou ao Ministério Público o aumento do prazo das investigações tendo em vista que estão "faltando diligências imprescindíveis ao desfecho das investigações". A solicitação foi atendida, mas o prazo não revelado.

A reportagem questionou tanto o Ministério Público, como também a SSP-SP sobre o motivo da dilação do prazo. O Ministério Público não respondeu, enquanto a secretaria afirmou que os detalhes da investigação serão preservados para garantir a autonomia do trabalho policial.

O advogado criminal Renan Farah, da Renan Farah Advogados, explicou que as ausências dos depoimentos de Witter, Torok e Souza podem indicar que os três não foram encontrados para serem intimados a prestarem depoimentos na delegacia, ou que faltaram.

"Às vezes, até mesmo o advogado constituído entra em contato com a delegacia e informa que foi contratado, mas no dia e hora marcados já possui outro compromisso e redesigna a data. É importante destacar que a falta injustificada por implicar em crime de desobediência, previsto no artigo 330 do código penal", complementou.

Por que o aumento do prazo?

Eduardo Diamantino, advogado criminalista do escritório Eduardo Diamantino Advocacia, explicou que o pedido de aumento de prazo para a investigação pode indicar que a polícia precisa de mais tempo para conduzir investigações adicionais, notificar corretamente as partes envolvidas ou aguardar o comparecimento das pessoas que ainda não prestaram depoimento.

"Em resumo, a falta de menção às outras três pessoas que deveriam ter prestado depoimento, juntamente com o pedido de dilação do prazo pela polícia, sugere que há questões em andamento na investigação que podem exigir mais tempo ou recursos para serem resolvidas antes que mais informações possam ser divulgadas", afirmou.

O que dizem as partes

A reportagem procurou o presidente da CBDEL, por WhatsApp, que respondeu: "Dessa vez não vou poder me pronunciar, pois ainda estão na etapa de angariação de informações. Mas farei isso dentro do trâmite."

A CBDEL foi procurada, com a reportagem enviando um pedido de posicionamento ao chefe jurídico da entidade Uanderson Pereira, na segunda-feira. Pereira foi questionado se a confederação prestou assistência jurídica ao presidente; se prestará assistência a Witter, Torok e Souza e se os três prestaram depoimentos na data estabelecida pela Polícia.

Pelo WhatsApp, Pereira afirmou que teve acesso as questões relacionadas ao inquérito e que ia se inteirar sobre o assunto. A reportagem voltou a procurar o chefe jurídico da CBDEL na terça e na quarta-feira, mas não obteve resposta até a pública desta matéria.

A reportagem também procurou Witter, questionando se ele estava recebendo assistência jurídica da CBDEL e se sabia que foi intimado a depor no dia 14 de maio. Em resposta, o chefe de operações de esportes sugeriu que a reportagem procurasse o presidente da entidade.

Torok confirmou que está recebendo assistência jurídica da CBDEL e que sabia da intimação para depor no dia 14 de maio. "Em todo caso, quanto a investigação sobre a CBDEL, ela está ocorrendo tudo tranquilamente, tudo sendo devidamente esclarecido. Não tenho contato com o advogado diretamente, mas repassarei o seu", afirmou.

A ex-gerente da CBDEL completou: "Toda história tem seus dois lados, né? Estou completamente tranquila quanto a isso, pois a CBDEL não fez nada do que foi acusada e isso está sendo provado. Por ora é o que posso dizer".

Já Souza, quando procurada, sugeriu que a reportagem procurasse a Witter. A ex-gerente afirmou que, até então, a CBDEL está resolvendo tudo e prestando todos os esclarecimentos. A reportagem insistiu perguntando se Souza tinha ciência do depoimento marcado e ela respondeu: "Sobre isso não precisa se preocupar que foi tudo esclarecido. Pode verificar com a DP".

O advogado das ex-jogadoras da God Gênesis, Helio Tadeu Brogna Coelho Zwicker, também foi procurado e afirmou que só irá se pronunciar nos autos, tendo em vista que a investigação continua em curso.

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