Conheça o brasileiro que perdeu 1ª LAN internacional por conta de 24 horas
No Counter-Strike, como em qualquer outra modalidade esportiva, o maior sonho dos jogadores é representar o próprio país em campeonatos internacionais. Esse desejo é ainda maior quando se trata da primeira oportunidade em se apresentar no exterior. Pedro "CarT" Henrique esteve próximo de entrar para a história do cenário brasileiro como um dos primeiros a jogar uma LAN fora do país. Mas o jogador, na época com 14 anos, não conseguiu realizar tal sonho por conta de "24 horas". Essa é a história que ele conta, com exclusividade, para a Dust2 Brasil.
Segundo CarT, o comitê organizador da CPL Speakeasy 2001 não permitiu que ele jogasse o presencial de Dallas, nos Estados Unidos, porque, até o dia do check-in, não tinha a idade permitida. O veterano afirmou que alcançaria a idade mínima no dia que o campeonato começaria e que, mesmo informando à organizadora que viajaria junto de um responsável e levando autorização dos pais, por escrito, não foi liberado.
"PoP_Choco, o idealizador do time e o mais velho da MK-C, ligou para os organizadores da CPL, a fim de falar sobre a minha situação, que, no check-in, eu tinha 14 anos, mas que completaria 15 justamente no primeiro dia do campeonato, sendo que eu poderia jogar acompanhado de um responsável. Mas eles foram irredutíveis e nem a seletiva brasileira eu pude jogar", explicou. Por conta do desfalque, a extinta Monkey Campinas utilizou "KilleR" no lugar de CarT, tanto no classificatório, o qual ganharam, como também na LAN internacional.
"Por questão de 24 horas eu não pude jogar. Meu aniversário é dia 29 de abril, quando começou o campeonato, mas o check-in estava marcado para o dia 28, dia que eu ainda não tinha idade para jogar".
"Isso foi extremamente foda", afirmou CarT sobre o sentimento ao saber que não iria poder participar do ciclo da CPL Speakeasy 2001 por conta de um único dia. "Para mim foi muito triste porque meus pais tinham autorizado e, na época, eu já tinha visto. Foi muito marcante na minha vida porque, depois desse episódio, eu não consegui mais me classificar para um campeonato internacional nos anos seguintes", completou.
Inclusive, CarT lembrou que, no mesmo dia que a classificatória brasileira seria disputada na antiga lan house Bunker22, no Rio de Janeiro, ele tinha um outro compromisso, mas que estava disposto a não comparecer a fim de realizar o sonho de se classificar para a primeira LAN internacional para o país: "Eu sabendo que não poderia jogar, deu aquela desanimada forte".
Conhecendo o CS por acaso
Nascido em 1986, em Brasília, mas se mudando para Campinas, cidade do interior de São Paulo, quando tinha oito anos, CarT iniciou no mundo dos games via Action Quake 2 e, segundo o veterano, conheceu o CS por acaso, na primeira experiência que teve jogando na LAN ao realizar o sonho de ir uma sede da extinta Monkey naquele município.
"Em casa, eu tinha um computador com conexão à internet. Antes do CS, jogava Action Quake 2 e, nesse jogo, tinha um pessoal de São Paulo que falava que jogava diretamente da Monkey que tinha na Paulista. Mas, nessa época, não tinha como eu ir para São Paulo como jogador ou para jogar. Só que nos primeiros dias pós-férias escolares de meio de ano, assim que eu estava saindo da escola, escutei um rapaz que eu sequer conhecia falando da Monkey de Campinas. Não perdi a chance e questionei sobre onde ficava essa Monkey. Ele me disse onde era e, incrivelmente, a lan house ficava próxima do curso no qual estudava inglês. Nesse dia em questão, avisei ao meu pai que ia 'visitar uma loja" após minha aula de inglês, aí fui na Monkey e, chegando lá, vi que nos PCs não tinha o AQ2, mas tinha o CS. Foi quando tive meu primeiro contato com o CS e nunca mais parei de jogar", lembrou.
E também foi na Monkey que conheceu o cenário competitivo, que, naquela época, usava versões ainda mais antigas, como as anteriores a 1.3 (5.2, 6.0, 6.1, 6.3, 6.5, 7.1 1.0, 1.1). Como CarT tinha aulas de inglês, sempre, às segundas e quarta-feiras, ele aproveitava para ir na lan após o curso, jogando por volta de quatro horas, das 16h às 20h. "Nessa época, inclusive, meu pai me buscava. Eu também jogava lá aos fins de semana e, em um deles, resolveram criar o time da Monkey Campinas. Foi um acontecimento bem legal porque o Pop_Choco chegou em mim com uma folha sulfite em branco e perguntou se eu queria fazer parte da line. Falei que sim e ele escreveu meu nick certo, com o T maiúsculo no fim", contou.
A estreia de CarT pela Monkey Campinas, equipe que ficou conhecido como MK-C, não demorou para acontecer. Segundo ele, o primeiro compromisso com o time foi em um campeonato na sede da Monkey de Tatuapé, São Paulo, e depois foi jogar na Monkey de Moema até viajar pela primeira vez de avião*, para competir, no Rio de Janeiro. "Nessa época nós éramos o melhor time. Ganhávamos dos caras. Tínhamos tudo muito bem treinado, como acontece hoje. Todos tinham uma única mente", afirmou.
Por mais que já tinha viajado para competir em outras cidades que tinham sedes da Monkey, seja em São Paulo ou em outro estado, a primeira viagem de avião para competir foi para o campeonato que antecedeu a seletiva nacional para a CPL Speakeasy 2001. O destino? Rio de Janeiro na Bunker22, lan house que também foi casa da classificatória. Mesmo que tenha contado com a participação de grandes equipes, foi um “campeonato teste” e até mesmo preparatório para o qualificatório. A viagem não foi em vão já que a MK-C foi campeã, recebendo a premiação de mouses ópticos, que, na época, eram o sonho de consumo dos jogadores.
"Já sabíamos que a seletiva para a CPL seria na mesma lan house e a Bunker22 fez um campeonato antes do qualificatório para Dallas. Aí vem o X da questão. Nós vencemos os dois campeonatos no Rio de Janeiro, o antes da seletiva e a seletiva".
"Sentiram a minha falta"
Como não participou da seletiva, CarT foi substituído por "KilleR" e a conquista para a CPL foi memorável, conforme relataram os jogadores do MK-C ao veterano: “Eles se classificaram em um jogo memorável contra EmB”.
“A galera me contou que a torcida para a EmB era gigantesca na Bunker22 e os torcedores ficavam batendo nas paredes, gritando “EmB! EmB! EmB!” e pisando bastante no chão. Como a lan house tinha uma estrutura metálica, quando a torcida agia assim, os PCs ficavam tremendo, mas, mesmo assim, o MK-C conseguiu a vitória”, completou.
Segundo o veterano, após a equipe viajar para Dallas a fim de jogar a LAN internacional, numa conversa entre o time os companheiros reclamaram do substituto, dizendo “que o campeonato teria sido diferente comigo lá”.
Também por conta do problema que tirou CarT da CPL em Dallas, a Monkey Campinas criou aqueles que podem ser considerados como os primeiros times Academy do Brasil, chamados de “MK-c zinhos”. O ex-jogador afirmou que, nos primórdios do CS nacional, “tinham muitos jogadores novos e aconteciam muitas substituições nos campeonatos. Tínhamos dois times principais e os de base, no qual estavam as ‘crianças’ de até 14 anos, justamente pelo o que aconteceu comigo”.
“Os treinos com todas essas equipes eram muito bons. Os dois melhores times da época eram o redstar e o NeV. Nós treinávamos todas as terças e quinta-feiras, todos os mapas. Isso tudo aconteceu por eu não ter ido para a CPL”, afirmou.
redstar? NeV? Esses foram os nomes dados as equipes principais da Monkey de Campinas após entrar em vigência uma “regra” que proibia as Monkeys darem nomes aos times, podendo, somente, patrociná-los: “Nenhum time poderia levar mais os nomes das Monkeys, mas elas poderiam continuar patrocinando times. Foi assim que nasceu o redstar e o NeV. Essas duas lines seguiram representando a Monkey de Campinas”. Ainda de acordo com CarT, esses foram os dois times montados pelos donos da lan house, o ‘Never’ e o ‘BOSS’, sendo Never o manager do redstar e BOSS o manager do NeV (Never Ending Violence).
“Meu momento FalleN”
Se no Counter-Strike 1.6 e no Global Offensive a torcida brasileira vibrou com as boas apresentações feitas por awpers como Raphael “cogu” Camargo, Wellington "ton" Caruso e Gabriel “FalleN” Toledo, bem nos primórdios do FPS, no Brasil, CarT foi considerado por muitos como um dos melhores awpers do país, nos primeiros anos do século.
Na opinião do veterano, o que o ajudou a se destacar como sniper foi a experiência prévia do Action Quake 2: “No Action Quake 2, você escolhe a arma com a qual vai nascer. Eu sempre escolhia a sniper e, quando descobri que tinha sniper no CS, comecei a jogar de awp. Nisso, comecei a matar todo mundo porque era bastante parecido com AQ2, com os tiros pegando pulando e eliminando o oponente ao atingir qualquer parte do corpo. Então, eu comecei a matar todo mundo e a galera começou a reclamar porque não podia jogar de sniper”.
O sucesso de CarT com a principal sniper do Counter-Strike foi responsável por uma mudança de regras na Monkey Campinas. Antes do jogador começar a comparecer na lan house, era proibida a utilização da awp, o que mudou após o veterano se destacar como awper.
“Minha movimentação não é pelo habitual WASD. Eu uso as teclas YHGJ para andar. Descobriram que era eu que estava jogando de awp e, quando isso aconteceu, um jogador de nick ‘problemático’ veio falar comigo e começou a apertar o G, com objetivo de dropar a arma, mas isso não acontecia porque, para mim, estava ‘bindada’ para movimentação, e a minha tecla para jogar a arma fora era o Q. Nisso, ele começou a gritar na lan house: ‘Não consigo dropar’, ‘não está funcionando’, ‘não dá para dropar’, enquanto eu estava rachando o bico, mas quietinho, e continuei jogando. Teve um dia que o dono da lan acabou com a regra justificando que, como a sniper está no jogo, pode comprar sim. Foi quando eu me consolidei na época até 2001 como o melhor awper do Brasil”.
Uma engraçada história quanto ao sucesso no início do competitivo brasileiro aconteceu quando, na companhia de primos, foi na lan house Klan, em São Paulo. Ao se cadastrar no estabelecimento, acabou sendo reconhecido pelo dono do local. “Ele levantou a cabeça e perguntou se eu era o CarT de Campinas. Respondi que sim e ele falou que era uma honra eu jogar naquela lan e perguntou se meus primos eram parentes. Ele permitiu que jogássemos de graça”, contou.
O episódio, segundo CarT, também o ajudou a acabar com a descrença da família quanto ao fato dele tentar ser um jogador de Counter-Strike. Isso porque, quando o tio foi buscar ele e os primos na lan, na hora de pagar as horas jogadas, o dono da Klan não aceitou. “Ele disse: ‘Você trouxe o CarT aqui, leva até um mousepad, adesivo. Não vai precisar pagar nada não’”.
“Tive o meu momento FalleN porque depois desse episódio o meu tio, que mais desacreditava na minha carreira, que achava que eu só falava mentira, viu que era verdade e a história se espalhou pela família e a família passou a entender que eu era o cara do jogo”.
Trajetória
MK-C e redstar não foram os únicos times que CarT defendeu. O veterano também defendeu 4play, semXorah, rampageKillers, Team-, Corsair e kickAss, ou somente kA, outra tag com a qual conseguiu excelentes resultados no cenário nacional, batendo de frente com os famosos GameCrashers, g3nerationX e MIBR.
Apesar de classificar a si como “eterno 2º-3º lugar”, CarT afirma que grande parte dos feitos realizados foi atuando pela redstar, com a qual foi “vice-campeã mundial” da segunda CPL realizada no Brasil, a Tilt Total latino-americana. “Foi emocionante, pegando a SK na final e também tiveram partidas impressionantes antes da decisão, só jogos memoráveis, como a ‘final consolação’ contra os argentinos da FIP. Fomos para três prorrogações na de_clan1_mill, mapa que inspirou a de_tuscan. Mas, contra a SK, fomos atropelados”. De acordo com o Liquipedia, a redstar perdeu a decisão por 13-1 na Prodigy.
Depois dessa CPL, próximo ao fim de 2003, CarT foi “na cara e na coragem” para São Paulo após ser chamado para o Team-, com o convite sendo feito, na época, por Lucas Simon, conhecido atualmente como um dos fundadores da INTZ. “Esse time tinha o patrocínio da Gamenet, que ficava na Avenida Ibirapuera. Nessa época me chamaram para jogar o qualificatório para CPL Winter 2003. Jogamos e acho que ficamos em 3º lugar”.
Por mais que tenha ficado abalado por ter sido barrado de jogar a CPL Dallas de 2001, CarT classificou a época competindo no CS como “melhor época da minha vida”. O jogador afirmou que se esforçou bastante para ter uma nova oportunidade de competir lá fora, mas que, “infelizmente, comecei a entrar em times do tier 2 e do tier 3. No caso do kA até conseguimos chegar no tier 1, disputando tudo contra g3nerationX, GameCrashers e MIBR lá por 2006 em diante. O sonho de qualquer um que jogava CS antigamente era jogar a CPL, poder falar a icônica frase ‘Go Dallas’”.
“Se marquei meu nome na história do CS nacional? No início, com certeza, fiz o meu papel. De fato eu era um jogador temido. Minha história está marcada lá no começo do competitivo. Estava em um nível maior que o dos outros jogadores. Não sei se é porque eu jogava Action Quake 2 e a mobilidade desse jogo encaixou com a do CS, fazendo com que eu saísse na frente dos demais. No início era bem ‘olha, é o CarT'".
Desejo de voltar ao CS
CarT segue competindo, mas em outra modalidade, o pôquer, não só conheceu, como chegou a trabalhar junto de André Akkari, co-CEO da FURIA, o qual classifica como histórico no “jogo de cartas” por ter sido, na época, o primeiro do país a ser patrocinado por um site de póquer online.
“Só fui para o póquer porque é um jogo individual, não em time. Então, só dependo de mim, mas o meu coração bate mais pelo CS, com certeza. Eu chego a chorar em algumas situações relacionadas ao CS”, afirmou.
O veterano até se aventurou no CS:GO, por volta de 2014, quando montou um time com outros jogadores de Campinas, mas o projeto não foi muito para frente. Questionado se assistiu os dois títulos mundiais conquistados pelo Brasil na atual versão, CarT respondeu positivamente, mas que “foi muito difícil porque eu queria estar lá, queria que fosse eu também. Só que, infelizmente, não consegui, mas não foi por falta de tentativa. Tentei ao máximo que pude, mas é um jogo em equipe e você sempre tem problemas em equipe, principalmente quando não se tem estrutura financeira”.
Apesar de se dedicar a outro esporte, CarT não esconde o desejo de voltar ao mundo do Counter-Strike, a princípio assumindo funções como coach, treinador-assistente, na comissão técnica em si, mas não descartando, inclusive, voltar a competir. Recentemente chegou a disputar um campeonato a convite de Guilherme "Carva" Carvalhaes, atuando ao lado de um grande nome da atual geração, Adriano "WOOD7" Cerato, do Fluxo.
“Ainda dou uma jogada, mas vejo que o nível está muito distante do meu. Eu precisaria jogar muito para acompanhar o nível atual. Esses dias até joguei o campeonato do Carva, com o WOOD7, do Fluxo. Vi que, em relação ao meu nível, eu teria que jogar muito mais, mas, com todo o conhecimento que tenho, gostaria sim de ajudar no cenário, como auxiliar técnico, fazendo parte da comissão técnica. Tenho muito conhecimento para agregar por conta desses 24 anos que acompanho o CS”, afirmou.
Na opinião de CarT, “as equipes atuais estão jogando o jogo de uma forma que não reflete o CS. Estão jogando de uma forma que seria o Quake, que é um jogo de frag, enquanto o CS, não. O CS é um jogo de time, que envolve plantar e defusar a C4, sendo os frags uma consequência. Essa mentalidade muda tudo”.
Por mais que deseje retornar atuando nos bastidores, CarT não descarta retornar jogando, mas o veterano acha que, “como player, pela idade e responsabilidade por ser uma pessoa mais velha, talvez seja muito difícil, a não ser que o projeto tivesse uma estrutura financeira interessante que daria para eu voltar jogando. Afinal, o sangue do competitivo está aqui, mas, caso não aconteça como player, não tem problema. Tenho certeza que posso agregar valor de outra forma”. Por conta disso, CarT “avisa” as organizações que está aberto à propostas.