zews no centro de treinamento da Liquid (Foto: Reprodução/X)

zews sobre nova Liquid: "Vai entrar para história de mais de um jeito, não só com títulos"

Treinador brasileiro falou sobre retorno à equipe, montagem do elenco e legado

Os últimos anos de Witon "zews" Prado têm sido uma mistura. O treinador já tinha se afastado do Counter-Strike, voltou para ajudar O PLANO, logo foi chamado para o Fluxo, mas acabou deixando o projeto em poucos meses. Quando tinha mergulhado na criação de conteúdo, o telefone tocou com uma proposta irrecusável.

"Decidi que só entraria se fosse para uma FaZe, uma G2, algo muito grande. Não imaginava que seria possível voltar à Liquid, eu já tinha falado para eles, porque é o único lugar que meio que decepcionei eles", disse o bicampeão mundial em entrevista à Dust2 Brasil.

"Eles entram nesse tier de organização porque eles são muito bons, a maneira que eles tratam todo mundo, o jeito que funciona. E aí, quando eu vi o time, não tinha nem o que pensar", completou.

zews foi apresentado oficialmente pela Liquid no começo de dezembro para sua segunda passagem pela organização. O treinador já comandou o time de 2016 a 2018, quando assinou com o MIBR.

"O próprio Victor (Goossens, CEO da Liquid), fala que eu montei o time do (Intel) Grand Slam. Não estava lá para conquistar com eles no final porque meio que abandonei, ao menos é o que eu sentia", contou.

Para zews, dizer sim à Liquid foi muito natural. Nos bastidores, a organização de origem holandesa, que tem sedes no Estados Unidos e no Brasil, é tida como objeto de desejo de muitos profissionais e exemplo de gestão. Em 2022, a Forbes classificou a Liquid como a 3ª organização mais valiosa do mundo, com valor de mercado de US$ 440 milhões (R$ 2,1 bilhões).

"São muitas coisas (que fazem a Liquid ser irrecusável). Começa pela estrutura. Muitas organizações menores sofrem com onde fazer bootcamp, visto, tem que se preocupar com muita coisa. A Liquid não. Tem toda uma estrutura, centro de treinamento no Brasil, dois na América do Norte, um na Europa, está abrindo um segundo, está cogitando abrir na China. Tem estrutura no mundo todo para você treinar na melhor qualidade", explicou.

"E, o mais importante, é o gerenciamento feito com carinho. Eu gosto de falar que na Liquid não tem uma negociação de rediscutir salário, de porque fazer as coisas, que você não entende a lógica. Você sempre se sente confortável com as decisões tomadas porque elas fazem sentido. É trabalhar de um jeito muito correto, de pessoas muito corretas, que se preocupam com os jogadores, têm quartos individuais em viagens. É a saúde mental, o jeito que o jogador é tratado dentro e fora do servidor pela organização", completou o treinador.

zews também cita a liberdade de trabalho como um fator determinante na Liquid.

"Eles te contrataram para fazer uma coisa, eles vão confiar, então você tem que entregar. Você tem sua responsabilidade, sabe qual é, e pode trabalhar livre", afirmou.

42 nomes na montagem do elenco

A montagem do novo elenco, segundo zews, durou entre 1 e 2 meses e foi fruto de muito estudo, que começou até mesmo antes de sua contratação e contou com opiniões de toda a diretoria e da comissão técnica, que conta com o gerente geral Steve "jokasteve" Perino, o analista de dados Jay "DeMars DeRover" Li e o performance manager Edward Cleland.

De acordo com o treinador brasileiro, a Liquid tinha uma lista de 42 nomes e diversas possibilidades de montagem do elenco, que iam de aproveitar mais jogadores do time atual até uma reformulação completa. No momento da chegada de zews, uma equipe majoritariamente americana, com a permanência de Joshua "oSee" Ohm e Vincent "Brehze" Cayonte.

"Como apareceram oportunidades maiores de imediato, decidimos agir e fomos compondo esse core. Tudo isso com muito estudo, porque eu gosto de pensar em como um jogador vai trabalhar com o outro, não só o fato de que ele tem muita bala pra dar. É o momento de carreira dele, a cabeça, como lida com os problemas. Tudo isso foi muito conversado, estudado, e pegamos as opiniões de todo mundo. E foi assim que montamos nosso projeto", explicou zews.

Nessa montagem, DeMars DeRover teve papel fundamental. O nome do analista tem pipocado em entrevistas e discussões sobre a nova Liquid, e, com pouca informação disponível sobre ele, a curiosidade dos mais atentos da comunidade está se aguçando. zews esconde o ouro.

"O Jay não é um analista tradicional, ele é mais um cientista de dados. Ele é muito inteligente. Ele não tem muita experiência de CS. (É como) se fosse um Moneyball (filme de 2011), como foi o time anterior da Liquid, que teve muita definição de posição certa, do que encaixa, as áreas necessárias. Tinha um estudo muito mais profundo por trás, do que simplesmente olhar o rating da HLTV e falar a posição que ele joga. Conseguimos colocar parâmetros muito legais na nossa pesquisa. E ele agiliza bastante esse processo. Ele é muito bem capacitado e muito inteligente", explicou.

NAF, da Liquid, durante o play-in da IEM Cologne

Com uma análise detalhada de comportamentos dentro e fora do jogo, o time foi se desenhando tendo Mareks "YEKINDAR" Gaļinskis e Keith "NAF" Markovic como base. Aí os outros nomes vieram de diferentes formas.

O capitão do time, Casper "cadiaN" Møller, já estava conversando com a organização, e tem sido um grande aliado de zews na gestão da equipe, com ideias e conversas que ajudam a ambientar os demais companheiros. Além, é claro, de sua energia inconfundível.

"Você tem que ver no escritório. Sabe o anúncio dele? É muito igual. O Victor está no escritório, sala de chefe, longe, e se a gente está ganhando o treino começa a gritaria. O time de DOTA e o Victor vêm falar que não tem como não prestar atenção em nós. Esse time tem algo especial", disse.

Grande estrela da companhia, Twistzz surgiu como oportunidade após as dificuldades da FaZe apresentarem uma proposta de renovação de contrato com o astro canadense, que já teve passagem pela Liquid. No mercado, o jogador foi alvo imediato.

"Tiveram alguns vacilos da FaZe, de não correr atrás (da renovação). Entendemos que tem muita coisa acontecendo nos bastidores, não acredito que foi só maldade. Mas agimos em cima. Se ele estava em final de contrato, disposto a sair, tínhamos que conversar. Modéstia à parte, estávamos montando um projeto muito interessante, e todo mundo ali, pela primeira vez na vida, teve a oportunidade de escolher com quem iria jogar desde o início", disse.

"O segredo foi ter ele incluso na montagem do projeto, sempre optando pelo lado lógico, por coisas que fazem sentido. (Mostrando) porque esse jogador, essa função, porque eles vão se dar bem. Tudo fez sentido, todos foram ficando muito felizes e contentes com a ideia, empolgados de tirar um projeto do chão, porque não só podemos ganhar título, mas também fazer algo com longevidade, que é nosso maior desafio, criar uma era, um time que fica junto, vai melhorando com o tempo, como um vinho", explicou.

E o toque final dessa escalação veio, assim como zews, do Brasil: Felipe "skullz" Medeiros. O jogador da paiN, que custou cerca de US$ 600 mil (R$ 3 milhões), subiu na lista dos 42 nomes depois de uma conversa inicial.

"Ele subiu muito na lista quando conhecemos o ser humano que é o Felipe. Tive uma conversa com ele e gostei muito. O talento, a mecânica, era muito fácil de ver e analisar, qualquer scout veria, mas conseguir criar um ambiente para um talento desse crescer é mais difícil", disse zews.

"E isso veio de uma conversa interna com o cadiaN, principalmente, com o Twistzz, de como eles teriam que passar essas informações. O YEKINDAR não esteve nessa conversa inicial mas passou conhecimento para ele no bootcamp. Desde o primeiro passo criamos as realidades. O skullz chegou em quarto na nossa lista de 42 nomes, subiu muito porque acreditávamos que, com todo conjunto dele, dentro e fora do servidor e principalmente como ser humano, era um encaixe perfeito para essa equipe e era com quem queríamos trabalhar", continuou.

skullz com a camisa da Liquid (Foto: Divulgação/Liquid)

O treinador brasileiro não confirma o valor - considerado alto pelo mercado -, da multa, mas reconheceu que o negócio não foi simples, mas a Liquid estava determinada em fechá-lo.

"Os valores estão absurdos, porque quem vai se dar bem nisso aí é quem tem dinheiro para pagar. Quem sobreviver e ir pro Major vai acabar comprando jogador, e quem não tiver vai virar um vendedor eterno, porque é o único jeito que o mercado está", disparou.

"A Liquid consegue se sobressair nisso sendo internacional. Alguns podem tentar abusar agora, mas, em breve, isso volta. Não se explica, é a realidade do business, tem muitos jeitos de fazer acontecer. Se o buyout é caro, você tira de outro lado, recupera depois, seja em dividendos... tem muito jeito de você ser criativo para ajudar na situação, fazer ela ter sentido num projeto", completou.

Paizão? Não é simples assim

Com o elenco formado e reunido, primeiro na eNat Bootcamp - local de treinamentos de Janko "YNk" Paunović -, e depois na sede da Liquid em Utrecht, na Holanda, os trabalhos começaram. Antes de ir ao servidor, o time fez um "retiro" para se conhecer melhor. Bem conectados, os jogadores tiveram um bom início de treinamento.

"Eu diria que começamos mais adiantados do que imaginávamos de entendimento (de jogo). Ainda temos muito caminho pela frente, tem um break agora que vai dar um resetzinho, então não vou criar expectativa atoa, mas os sinais foram bons, vimos o que é possível no nosso pico, e, se conseguirmos atingir isso, o Brasil estará feliz pela nossa parte", afirmou o treinador.

Com um jogo novo e alguns jogadores que têm tido sucesso nos últimos meses, zews sabe do seu papel no time. O treinador destaca a necessidade de se moldar de acordo com o trabalho ao longo do tempo, e, nesse início afirma que terá um trabalho mais de gestão de pessoas do que de criação tática.

"Acho que fui chamado por esse lado paizão, irmãozão, que saiba gerenciar as personalidades fortes. Eu tenho personalidade, opinião forte, sei segurar a bronca quando vem. E para dar as indicações de um CS bem jogado. Eu tenho mais de duas décadas jogando. O CS em si não muda. As jogadas se atualizam, mas quem tem que fazer o grosso é o jogador, que tem que saber essas jogadas. Eu preciso colocá-lo num estado mental de poder estar sempre atualizado no meta, de colocar um horário extra, saber o que está rolando, chamar o parceiro e mostrar uma jogada. Eu não preciso saber uma smoke perfeita", disse.

"Hoje em dia, diria que sou 25%, 20% da parte tática, que dou ajustes, tento modificar a performance ou criar algo novo, e cuido da direção geral do elenco, de como vamos pensar, nos portar, qual a nossa rotina, como vai ser o treinamento, com quem, quais mapas. Isso é um pouco mais dividido na Liquid, mas sempre com as opiniões de todos", continuou.

zews atuando pelo Fluxo durante o RMR do BLAST.tv Paris Major

Para zews, não adianta tentar impor algo aos jogadores se eles não concordarem com a determinada abordagem tática.

"Não adianta nada eu tomar uma decisão ali, porque eu acho, se ninguém vai fazer com vontade, acreditando, não vai dar certo. É um trabalho um pouco diferente, mesmo dentro da Liquid, acredito que vou ter que mudar uma hora para algo um pouco mais tático, de ajustes, quando exaustar esse período que eles estão passando toda a informação. E isso depois contrabalanceia novamente quando tivermos períodos de dificuldade, que são inevitáveis. Aí mudamos um pouco o foco para manter as relações", disse.

É só jogar

Franca favorita a uma das vagas no RMR americano do PGL Major Copenhagen, a Liquid deve retomar os trabalhos em 3 de janeiro, no escritório da organização em Los Angeles. A seletiva aberta para o Mundial começa no dia 8, e o time sabe do favoritismo.

"É só jogar, e não pensar que é algo diferente do que é. Se jogarmos o CS de qualidade que conseguimos jogar, o talento que temos, o entrosamento que criamos dentro e fora do servidor, as cartas devem cair no lugar certo. A gente só torce para que não aconteça um desastre de cheater ou alguma coisa assim, que aí não tem como. Se falharmos dentro do servidor, com certeza será nossa culpa", disse.

"Mas sem pressão, essa que é a verdade. Tudo pode acontecer numa melhor de um, infelizmente resetamos todos os nossos pontos e só podemos trabalhar com o que está na frente. Se é através do open, o próximo adversário é sempre vida ou morte, não tem essa não", completou.

Legado

Títulos não são novidades para zews e para a grande maioria dos jogadores que agora formam a nova Liquid, então o objetivo do time vai além disso. A ideia, segundo o treinador, é criar algo que vire um exemplo para toda a classe.

"É óbvio que quero ganhar um título, mas espero que estejamos montando aqui o primeiro padrão de como deveria ser um time de esports de cabo a rabo. Como os meus atletas se portam com o seres humanos em relação uns aos outros, a imprensa, a torcida, a criação (de conteúdo), e principalmente o jeito que eles serão vistos", explicou.

"Estou rezando, torcendo, para que estejamos criando a primeira geração de atletas de altíssimo nível em todas as áreas. Seria algo especial de se ver também, porque são seres humanos muito bons. A meta é isso aí, que se confirme que, fazendo desse jeito, teremos um time tier 1 que vai durar por muito tempo", completou o treinador.

Para zews, essa equipe tem condições de ir muito além dos pódios.

"Estou com uma molecada que acredita bastante em mim, debate as ideias, acredito que tenho um time que vai entrar para história de mais de um jeito, não só com títulos", finalizou.

*Uma segunda parte da entrevista será publicada nesta sexta-feira. Nela, zews fala sobre a negociação com KSCERATO e a sondagem do time de VALORANT da LOUD. Esse trecho já está disponível no vídeo, no topo do texto.

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