Entenda por que ARCTIC pausou projeto de CS:GO
Organização que ficou sob os holofotes do cenário nacional na temporada passada, a ARCTIC surpreendeu a comunidade no fim de maio ao anunciar pausa no projeto de CS:GO. Em entrevista à Dust2 Brasil, o co-fundador Jonatas "dom" Batista falou mais profundamente a decisão, avaliou os quases dois anos do clube no FPS da Valve e, inclusive, relembrou sobre o caso de racismo que atormentou os Lobos em 2022.
Segundo dom, a pausa do projeto da ARCTIC no CS:GO "não necessariamente" se deve a problemas financeiros: "Ficamos em uma situação em que tínhamos que subir ainda mais o nível da performance competitiva. Nunca cobramos resultados pontuais dos jogadores desde o início, mas sim constante evolução para continuar aumentando o investimento. Neste momento, devido às baixas que tivemos e o fato de não termos conseguido nomes para continuar numa crescente, entendemos que não fazia sentido aumentar mais o investimento pelo mesmo ou menor retorno em resultado.
Logo após o anúncio, surgiram boatos nas redes sociais, e também em um comentário na HLTV.org, que a antiga line vinha se desentendendo, que foi parcialmente confirmado pelo executivo, mas que garantiu "esse não foi o motivo da nossa pausa".
"Toda equipe, sem exceção, passa por desentendimentos e, por aqui, também não passamos isentos. Sempre tivemos uma relação boa entre os jogadores, comissão técnica e staff, mas, em um momento ou outro, as visões podem se desalinhar".
ARCTIC se movimentará na janela?
Com a pausa no investimento, ARCTIC liberou os jogadores a receberem propostas de outras organizações. Por conta disso, o co-CEO afirmou que não dificultará as saídas porque a ARCTIC "nunca teve, como prioridade, a compra e venda de jogadores como fonte de lucro. Em todos os casos houve negociação e, principalmente, agora não será diferente".
Questionado se a organização pena em aproveitar a atual janela de transferências, dom respondeu de forma negativa. Pessoalmente, o executivo disse que se incomoda com "a visão dos jogadores, no geral, sobre essas oportunidades e como fazem 'panelas' entre eles forçando a organização a fazer um pacote. Com a experiência que adquirimos nesse período iremos refletir sobre o nosso retorno e será com as figurinhas já sempre presentes no cenário".
"Não há intenção de manter membros do atual elenco porque seria injusto com todos em não oferecer, de imediato, a possibilidade de um time competitivo para que eles continuem se desenvolvendo. Por isso, deixamos a critério dos jogadores escolher um novo projeto que lhes agrade mais. Mas isso não anula a possibilidade de trabalharmos novamente no futuro. Como disse cultivamos boas relações aqui na ARCTIC".
E quando a ARCTIC retornará? "Não podemos dar uma previsão", respondeu dom. O executivo não escondeu que "existem propostas", mas que, "sinceramente, preferimos refletir um pouco mais sobre tudo o que fizemos e como iremos conduzir esse retorno. Aproveitar o que deu certo e descartar os erros cometidos". Porém, o co-CEO deixou claro que os Lobos vão continuar "acompanhando de perto o cenário para poder dar sequência ao nosso propósito: 'o sonho Ártico'".
Avaliação do projeto
ARCTIC surgiu no fim de 2021, mas foi no ano seguinte que cravou o próprio nome no competitivo brasileiro não só com títulos, mas também com a histórica participação no RMR Americas para IEM Rio Major. Em relação as conquistas, quatro edições do Circuito Brasileiro de Counter-Strike, o CBCS, o qual voltaria a jogar este ano, mas que acabou deixando a lista de participantes.
Segundo dom, quando a organização foi criada, a ARCTIC "não tinha sequer um único contato dentro do cenário. Portanto, posso afirmar que nosso crescimento, principalmente em performance competitiva, foi muito acima da média. Institucionalmente também colocamos nosso nome no radar, mas poderíamos ter feito mais".
Na opinião do co-CEO, o sucesso dos Lobos em 2022 foi consequência "da filosofia de trabalho que aplicamos, juntamente com o profissionalismo da comissão técnica e dos jogadores. Procuramos alinhar a visão de trabalho para que não tenhamos tanta resistência na execução. Com certeza também a infraestrutura de gaming house que oferecemos, juntamente com profissionais de psicologia e nutrição, foram diferenciais para essa construção de resultados".
Projeto rentável?
Atualmente, quando o assunto são as organizações de esportes eletrônicos, um dos pontos discutidos é rentabilidade de um projeto no CS:GO, muito por conta das notícias recentes sobre Heroic e FaZe. Sobre a ARCTIC, Dom informou que o clube "não chegou no breakeven, mas estávamos cientes, desde o começo, sobre os recursos que disponibilizaríamos e temos plena consciência que sempre tivemos o pé no chão para gestão desses recursos".
O executivo ainda opinou sobre o lado financeiro das organizações: "Hoje em dia, assim como nos clubes de futebol, o resultado financeiro das organizações está ligado ao 'awareness' e boa gestão administrativa. Acredito que, quando as organizações começarem a compartilhar informações de processos que geram resultados, assim como acontece na NBA, o cenário de esports, como um todo, tende a ficar mais forte, promovendo a entrada de mais ou novos recursos".
Nome manchado?
A pausa no projeto não é a primeira "crise" pela qual a ARCTIC passa em quase dois anos. A anterior aconteceu quando a organização competia em parceria com a INTZ, da qual acabou se separando por conta do episódio de agosto de 2022. O motivo da ruptura foi a reação negativa da comunidade quanto um vídeo publicado pelos Lobos ironizando o preconceito racial. Além disso, o clube afastou dois nomes ligados à comunicação dos Lobos.
Apesar da publicação ter sido apagada, o conteúdo furou a bolha dos esports, reproduzido por importantes influenciadores da luta contra o racismo, como Levi Kaique Ferreira, que, no Twitter, disse: "Vocês acham que racismo é brincadeira?". Além disso, nomes ligados ao clube chegaram a ironizar o episódio e reclamações.
Dom relembrou o acontecimento: "Tudo começou com uma discussão desnecessária no Twitter. Após ganharmos de duas equipes argentinas, o nosso social media na época postou uma provação aos 'hermanos', em forma de expressão de 'desabafo de torcedor', mas, que na tradução, ficou interpretado como um xingamento".
O executivo deixou claro que quando viu o conteúdo, antes mesmo de ser publicado, repudiou o vídeo, mas que, na ARCTIC, na época "tínhamos um grupo entre os quatro sócios para a aprovação, onde qualquer postagem teria que passar pela aprovação da maioria".
"O vídeo foi enviado nesse grupo e mais um sócio, além de mim, mandou um emoji de 'negativo' e, a partir dali, estávamos tranquilos que não seria postado. Contudo, no dia seguinte, recebi uma ligação de nosso psicólogo comunicando sobre a postagem e questionando se sabia daquilo ou se tinha autorizado. De imediato liguei para o social media e pedi para tirar o vídeo e publicar uma retratação, mas já era tarde. Esse tipo de coisa se espalha igual vírus".
E foi por conta da postagem sem aprovação que, de acordo com dom, os dois envolvidos foram afastados "de qualquer atividade de decisão à frente da empresa, mas ambos continuaram como sócios, contratualmente". O co-CEO destacou que "nunca tivemos dúvida sobre a índole deles e que eles não são como as pessoas o crucificaram ou gostariam que fossem, mas, ainda assim, deveria haver uma responsabilidade pelo ocorrido e, mais do que isso, uma conscientização".
Por conta do episódio, dom afirmou que começou "um trabalho de formiguinha, mandando mensagem para as pessoas que nos xingaram, procurando nos desculpas e entender, de fato, toda a gravidade da publicação. Fiz dezenas de chamadas de vídeo, com diferentes pessoas, ativistas ou não, que recriminaram a postagem, que, com boa vontade, aceitaram falar sobre o tema". Para concluir, a ARCTIC ainda realizou "um trabalho interno de conscientização, principalmente da staff, e depois fizemos ações que optamos por não divulgar na época".