Snow largou a escola, nerdiou e agora vai jogar um Major
Largar a escola na adolescência para passar mais tempo jogando videogame enquanto ganha dinheiro. Parece a decisão mais fácil que um adolescente de 15 anos pode tomar - mas não quer dizer que seja.
"Mas, graças a Deus, até agora tá dando certo, né?", disse um sorridente João Vinicius "Snow" Bueno direto de Xangai, na China, poucos dias antes de jogar seu primeiro Major, o principal campeonato do circuito de Counter-Strike.
Aos 17 anos, Snow já é uma figura conhecida na comunidade brasileira há pelo menos quatro, quando ganhou atenção pela habilidade e pelo carisma com pouquíssima idade. O menino cresceu, perdeu o zin e em breve terá seu nome imortalizado no jogo com um sticker.
A história, porém, começou muito antes. E a decisão, um sonho para quase todo jovem e um pesadelo para muitas famílias, foi que começou tudo.
"Estava entrando no colegial (quando sai). Decidi começar no academy e sair da escola para ter uma carreira mais profissional, não afetar os treinos do time, conseguir me dedicar mais ao jogo para melhorar. Depois de muita conversa com a minha família, que estava sempre me apoiando, foi isso (que decidi fazer)", relembrou.
"Uma dúvida ou outra sempre temos, não tem como negar, mas sempre confiei muito em mim, (sabia) que dedicação não faltaria, então precisava trabalhar todo o resto. Foi tranquilo, mas é uma responsabilidade que você pega bem novo, de parar de estudar e assumir que quer fazer aquilo 100% e não tem outra coisa", completou o jogador.
Conselho de tio
Além dos pais, Snow tem uma figura muito importante em sua vida, da qual ele fala em todo momento da entrevista. Almir Júnior, é seu empresário, conselheiro… e tio! O Tio Brak, como é conhecido, auxilia em todas as decisões do jogador. Foi para ele uma das primeiras ligações depois que Snow conseguiu a classificação para o Major.
"Segundo ele, estou realizando o sonho dele. Foi uma felicidade imensa", diz o jogador.
Depois de praticamente um ano aparecendo nas streams, Snow já tinha uma certa segurança na criação de conteúdo, onde costumeiramente jogava com jogadores profissionais e streamers, como Jean "mch" D'Oliveira. Na cabeça de competidor, porém, não havia outra escolha.
"Tinha noção que o caminho mais tranquilo para mim seria ser streamer, mas sempre gostei muito de competir. Eu, quando era ainda mais novo, jogava bola e sempre tive paixão pela competição. Sempre que conversava com o meu tio dizia que o meu sonho era competir, me tornar um profissional", continuou.
O tio foi quem aconselhou Snow a entrar na Young Gods no final de 2021.
"O dead veio me chamar para esse projeto, e, depois de muita conversa com meu tio, ele me explicou que ali seria o começo da minha carreira, o primeiro degrau, e, sem pular nenhum passo, decidi começar no academy", disse.
Na organização sueca vieram as experiências inimagináveis para um garoto de 15 anos - um bootcamp com jogadores como Epitácio "TACO" Filho e João "felps" Vasconcellos e a primeira competição na Europa, na WePlay Academy League.
"Tive a oportunidade de participar de um bootcamp onde estava o time profissional da GODSENT também e meio que tive dimensão do que é ser um profissional, do trabalho deles no dia a dia, consegui ver o que estávamos fazendo. Lá, conversando com eles, tive certeza que isso era o meu sonho. Foi a mudança de chave para mim", afirmou.
"Foi uma oportunidade de ouro jogar pela primeira vez na Europa, todo mundo sonha em ir e jogar lá. Foi bem legal, bem diferente, porque os jogadores que estavam jogando lá contra nós hoje em dia estão aqui no Major. Peguei bastante experiência nesse campeonato, principalmente por estar jogando contra jogadores de alto nível", continuou o jogador.
Na GODSENT, Snow bebeu de muitas fontes. Dos jogadores do time de cima, dos treinadores Pedro "betinho" Umberto e Bruno "RiVAS" Rivetti e do capitão John "linek0" Lineck.
"Eles foram determinantes para o meu crescimento. Desde o começo da carreira, meu tio sempre me falou para ter a mente aberta, escutar as pessoas e evoluir com isso. Essas pessoas sempre me ajudaram com tudo, sempre aprendi muito com cada uma delas", contou.
Um exercício de paciência
Depois do fim do investimento da Young Gods no academy brasileiro na reta final de 2022, o jogador teve duas passagens relâmpagos pelos times de base da LOS e da Sharks, sem fazer muito barulho. Foi aí, aos 15 anos, que pintou o interesse da Case e a oportunidade de dar um salto para os times do cenário principal do Brasil.
"O honda falou para eles sobre o meu nome, fizemos um dia de teste e eles gostaram muito de mim", lembrou.
Ainda precoce (uma máxima quando se fala de Snow), o jogador lembrou que exigia muita paciência dos companheiros.
"Por serem aquelas quatro pessoas eu consegui aprender muito. Era o steel, o RCF, o yepz e o honda. Se fosse só uma pessoa diferente poderia ter mudado tudo. Eles me ensinaram muito, tiveram muita paciência, e acho que, ali, tive a dimensão do que era um time profissional mesmo, como era participar daquilo. Foi bem diferente, gostei bastante e aprendi muito com eles", disse.
"Não sei se (cometia muitos) erros, mas eu não tinha a experiência de ter as reações básicas do cenário profissional. Quando você vai jogando, vai pegando a malícia. Eu não tinha essa malícia nessa época. Aí você joga com o steelega no time, o cara foi finalista de Major, é diferente. Eles tinham muita paciência comigo", completou.
Nerdiando
Faz tempo que ser um nerd ganhou muitos significados para além de ter notas boas. No CS, o nerd é o jogador que passa horas…"nerdiando" - procurando pixels, bombas, pulos, ângulos e mais uma infinidade de vantagens que podem ser usadas numa partida profissional.
O lançamento do beta do CS2 em março do ano passado transformou, ou evidenciou, o lado nerd de Snow. Enquanto a maioria estava chorando sobre peeker's advantage, subtick e outras novidades, Snow jogou CS.
"Eu queria nerdiar esse jogo para chegar um passo à frente de quem não estava nerdiando tanto. Desde o começo, quando tive o acesso ao jogo, eu joguei muito Premier, muito mesmo. E, depois que a line mudou, entrou o betinho de coach e ele sempre me ajudou com muita coisa. Aquele período ali foi um dos que mais me dediquei ao jogo", explicou.
"Ele sempre me instruiu a jogar DM. Por um mês eu matava mil no DM por dia, porque ele me falava para fazer isso porque eu iria melhorar. Foi um pouquinho da experiência que peguei com a line antiga, um pouquinho do betinho e do zmb, que também foi muito importante para mim, foi um pouquinho de tudo, do começo do CS2 que era bom para os jogadores que só abriam e matavam', relembrou.
Um tijolinho por dia
A nerdiada rendeu. Snow virou alvo de uma infinidade de equipes e, mais uma vez, recorreu ao tio.
"O meu tio sempre está comigo, e para mim, ele dá os melhores conselhos. Uma coisa que ele sempre falava para mim é que não precisávamos ter pressa, era um degrau de cada vez, um tijolinho por dia. Para ser sincero, eu tentava receber isso como se fosse uma coisa boa, não para me pressionar, me colocar na responsabilidade de conseguir isso logo ou de me tornar o melhor jogador do mundo em um dia. Era só levar isso para o lado bom da coisa, sem ficar ansioso", disse.
Fluxo, ODDIK, KaBuM, Sharks, muita gente observou, sondou ou fez proposta para Snow. A que mais mexeu com ele foi a da Wildcard, equipe norte-americana que procurou o jogador em abril.
"Logicamente eu tinha que me mudar para os Estados Unidos, só que uma coisa que me impedia era o inglês. Eu ainda não sei falar inglês certinho, não tenho conhecimento total da língua e seria uma diferença bem grande para o meu jogo, poderia ou não me afetar, mas foi uma proposta que mexeu muito comigo até por ser um time internacional", disse.
Mas aí apareceu uma oferta daquelas que não se recusa.
"A proposta que mais mexeu comigo foi a da paiN, na época se eu não me engano eles já eram o top 1 do Brasil, foi a que eu mais fiquei feliz em receber", disse.
Aos berros
Ainda sofrendo com as críticas pela saída de Vinicius "n1ssim" Pereira e mesmo vencendo um título com Marcelo "nyezin" Ramos, a paiN decidiu apostar em Snow e venceu a concorrência para tirá-lo da Case.
"Na minha época o meu tio e o bigu estavam conversando bastante, não sei muito como foi, mas depois disso tive uma reunião com o bigu no TS, conversamos bastante, e nesse primeiro contato eu já sabia que teria que mudar de função, mas sempre fui muito tranquilo com essas coisas, mudei de função a carreira inteira", contou.
"Comecei sendo awper, depois fui âncora, virei star player, não tenho problema nenhum com isso. Eu só queria participar, sabia que era um time jovem, que eu aprenderia bastante, então fiquei tranquilo quanto a isso e sabia que ganharia bastante experiência jogando com esses moleques e com o bigu", disse.
Não demorou para que o negócio fosse concluído e Snow entrasse no time. Em pouco tempo vieram as primeiras experiências, jogando com uma torcida pela primeira vez na FiReLEAGUE Global Finals, pela primeira vez entre os melhores no mundo na IEM Cologne…
"Ali ganhei bastante experiência, foi o meu primeiro big event, e eu estava com o pensamento de que só queria ganhar o pistol do primeiro jogo para me soltar logo e me sentir em casa, gritar e só jogar. Foi um campeonato bem legal, só de ver os jogadores de alto nível ali no hotel eu já ficava feliz. Foi uma virada de chave de que eu estava no alto nível do CS mundial", disse.
…e uma revelação no gogó!
"Isso aí (o grito) sempre foi natural. Desde o meu primeiro time a galera já estranhava, dava risada, porque era engraçado o mais novo do time ficar gritando mais que todos, berrando. Minha mãe e meu tio sempre acharam legal, sempre falaram que isso acontecia porque eu tenho muito amor por esse jogo. Foi natural, não forcei, é um sentimento que eu colocava para fora e tentava, com isso, colocar meu time para cima", explicou.
Facada no psicológico
Mas nem só de bons momentos vive a carreira de um jogador profissional. Sempre tratado com carinho pela comunidade, Snow conheceu o lado tóxico dela quando, durante uma partida do CCT Global Finals em maio, tentou dar uma facada num adversário, acabou perdendo o round e, posteriormente, o jogo. O jogador foi criticado, sofreu ataques e disse que teve até de procurar ajuda psicológica para superar o acontecido.
"No começo desse episódio foi bem difícil, tive bastante haters, mas tentei não dar bola. O meu time sempre me apoiou, confiou bastante em mim, eles me ajudaram muito nisso, mas a pessoa que eu mais conversei foi o meu tio. Depois até tive que trabalhar com um psicólogo para esquecer esse episódio um pouco", disse.
"Pra mim foi difícil, porque trabalhamos tanto para um negócio tão bobo afetar o meu time num campeonato. Eu me importo bastante com esse jogo, amo esse jogo, é uma irresponsabilidade que não vai acontecer mais. Foi difícil no começo, mas depois foi bem mais tranquilo, consegui lidar com isso com o tempo, tanto que nem puxo a faca mais no campeonato. Se o cara tiver de costas para mim, vou meter bala e já era", continuou o jogador.
O pior para Snow não foi o que veio de fora, mas de dentro.
"Me senti muito afetado. Um pouco pelas críticas, mas mais por ter afetado o meu time naquele campeonato. Eu tinha acabado de entrar no time e atrapalhei num campeonato grande, na Europa, foi complicado", relembrou.
Beliscando um troféuzinho
Snow aprendeu na dor, a paiN seguiu sua caminhada e chegou ao RMR entre as favoritas. O time fez o esperado, assegurou a vaga e Snow vai jogar um Major pela primeira vez em poucos dias.
"A ficha só caiu quando eu deitei na cama, fiquei mais tranquilo. Fiquei muito emocionado. O sonho de qualquer jogador profissional é se classificar para o Major", relembrou.
Foi ali, naquele momento, seguido de ligações para os pais e o tio, que Snow teve certeza que as suas decisões - que de fora até podem parecer fáceis, mas só sabem como são quem as toma -, estão fazendo sentido.
"Fiquei muito feliz, estou bem ansioso para começar a jogar logo o Major. Foi uma sensação incrível", contou.
Agora o foco está na preparação. Rodrigo "biguzera" Bittencourt já avisou que não quer jogar só por jogar. Snow e seus companheiros estão prontos.
"Estamos treinando bastante, conversando bastante sobre os mapas e a preparação está sendo bem intensa. Estamos chegando com o foco máximo para começar super bem nas primeiras melhores de um que são muito importantes nessas primeiras fases do Major", disse.
"Quem sabe não dá para beliscar um troféuzinho?", finalizou.