Noktse quer bandeira argentina no topo e um pouco de igualdade
Competir já não é mais novidade na vida de Nicolás "Noktse" Dávila. Aos 31 anos, idade avançada para um jogador profissional de esports, está há quase 20 anos - e três versões diferentes do Counter-Strike -, se dedicando a um sonho: colocar a Argentina no topo do mundo.
Em Xangai, na China, para a disputa do RMR Americas, a última seletiva para o Perfect World Shanghai Major, Noktse está confiante que ele e seus "meninos" da BESTIA podem alcançar uma vaga no mundial.
"É (um momento) especial por muitos motivos. Eu acho que é especial para mim porque é o quinto, é mais um. Às vezes a gente acha que é fácil chegar e a verdade é que não, não é. Cada RMR na América do Sul para mim é um desafio muito grande, então poder estar aqui hoje é uma benção", disse o jogador em entrevista à Dust2 Brasil durante o media day.
"Também é especial pelo momento do time, pelos meninos com os quais estou jogando hoje, que são muito mais novos e que querem muito estar competindo, querem jogar campeonatos grandes. É especial para mim estar acompanhando eles em todo esse processo, ajudando, passando minha experiência", completou.
Os meninos, porém, deram trabalho a Noktse. Numa temporada de mais baixos do que altos para a BESTIA, El Capitán teve de arregaçar as mangas e gastar muitas horas revendo a estrutura do time - não que isso seja uma grande novidade.
"Minha carreira foi sempre do mesmo jeito", relembrou.
"Nunca queremos fazer mudanças. Mudanças obrigam você a ter muito mais trabalho, é ruim porque você deixa pessoas… em um time, você pega sentimento pelos jogadores, forma uma amizade que, seja a razão que for, quando você tem que se despedir é triste. Mas, desde o começo da minha carreira, eu sempre tive que me provar (como um líder)".
Esse ano, a BESTIA passou por uma série de trocas, incluindo a mudança de Rodrigo "pino" Manarino, o fiel escudeiro de Noktse, para um cargo diretivo, a promoção de Julian "zote" Acosta, outro velho conhecido do jogador, para o cargo de treinador e duas alterações na escalação, com a chegada de Nazareno "naz" Romero para a vaga de Marcos "deco" Amato, que estava no time há mais de quatro anos, e a entrada de Mauro "zock" da Silva na vaga de Ignacio "meyern" Meyer, quem Noktse acredita ser o melhor jogador argentino de todos os tempos.
"O zock e o naz são caras muito novos, que têm pouca experiência, mas eu acho que o jeito que eles estão performando e que eles estão pegando experiência é muito bom e muito legal de ver. É por isso que, tanto dentro quanto fora do servidor, essa é uma das melhores BESTIA que já tivemos", afirmou.
É nesse ritmo que Noktse espera, finalmente, quebrar mais uma barreira da carreira, a de jogar um Major. Mesmo competindo na elite da América do Sul desde meados de 2017, o jogador nunca conseguiu conduzir uma equipe ao Major. Foram alguns "quase" na época dos minors e já são quatro RMRs sem sucesso desde a implementação do atual método de classificação - que vai mudar mais uma vez no ano que vem.
O jogador acredita que sua hora chegou, mas, se não der certo, que venha a próxima chance.
"Eu não vou parar. Eu não pensei em parar nem no primeiro, no segundo, no terceiro e nem no quarto. Eu acho que esse ano a gente está mais que pronto para conseguir. Ao mesmo tempo, a gente fala na Argentina que temos que ter 'os pés sobre a terra', porque competição é competição", disse.
E mesmo que o Major passe a ser um objetivo ainda mais distante no ano que vem, Noktse tem confiança que a BESTIA pode mudar de patamar.
"Eu acho que é questão de tempo e de trabalho até que a gente chegue no top 10 do mundo. Essa é a minha ideia. Cedo ou tarde a gente vai chegar. Eu acho que nesse RMR a gente vai pegar essa vaga e vai dar um pulo no ranking", afirmou.
"De algum jeito ou de outro eu acredito no nosso jeito de trabalhar e no nosso conhecimento de CS. Eu tenho essa pressão (de se classificar), lógico, ainda mais na América do Sul, que é mais difícil. Mas, ao mesmo tempo, eu vivo assistindo CS e sei o que podemos fazer, então estou tranquilo", completou.
E mesmo que disputar o Major seja um objetivo pessoal, uma cereja no bolo para uma vida de dedicação ao jogo, o individual já não move mais Noktse.
"Além de ser meu trabalho, o CS é algo muito importante na minha vida. Eu faço o que faço não porque eu preciso, mas porque eu quero. Uma das coisas que mais quis desde que comecei a jogar CS foi pôr a bandeira argentina no mais alto do mundo, e eu não vou parar até conseguir", revelou.
O pensamento na coletividade, inclusive, já tomou Noktse há algum tempo. Ele destacou que já não se importa mais em ser o melhor do time e estar no topo das estatísticas. Agora não é mais por ele, é por um monte de gente.
"É mais sobre o time, sobre a Argentina, sobre os meninos. Particularmente sobre as pessoas. É mais sobre o Pino, o zote, a história, é muito maior do que eu. Eu só estou fazendo minha parte aqui e quero fazer do melhor jeito possível", disse.
A parte de Noktse está sendo feita e, ao lado dele, muitos outros argentinos ajudam a construir o momento da cena local, que chega com números expressivos no RMR, vê um boom na audiência e ganhará dois campeonatos internacionais da PGL nos próximos anos.
"Eu estou muito feliz (com o momento), acho que isso resume. Eu quero seguir fazendo minha parte para poder colocar a bandeira da Argentina o mais alto possível, mas não sou o único, nem agora, nem fui o único 3, 4, 5, 6 ou 7 anos atrás. Teve gente que ajudou para que hoje as coisas estejam como estão", destacou.
"Nós competirmos com o Brasil é uma loucura. 10 anos atrás, na antiga versão do CS, pensar em competir com o Brasil era como pensar hoje em competir com a Europa. O mercado (do Brasil) é muito maior, tem muito mais jogadores, os salários são maiores e o investimento é maior, é tudo diferente. E, em um qualificatório que dava só quatro vagas, com os melhores times do Brasil competindo, dois times argentinos passaram", continuou.
A barreira entre a Argentina e o Brasil diminuiu, mas como os vizinhos podem parar os europeus? A questão, que vai muito além do mouse e do teclado, intriga - e emputece -, Noktse.
"Eu acho que a diferença maior entre a Europa e a América do Sul, principalmente na Argentina, porque no Brasil ainda há muitos jogadores novos, é que para comprar um PC para jogar CS vai muita grana", disse.
"Não falo que seja fácil para um europeu, mas é muito mais fácil que para um argentino, um brasileiro, um uruguaio ou um chileno. O nível de vida e o nível salarial em nossa região, injustamente, é muito abaixo do que é o da Europa. Eu gostaria que isso mudasse, não só pelo CS, pelos esports, mas pela vida", continuou.
"Quando você conhece outros países do mundo você fica impressionado, mas, ao mesmo tempo, fico um pouco puto, bravo, porque acho que é injusto que coisas que são muito fáceis para eles para nós sejam inalcançáveis. Eu gostaria de um futuro onde essa balança seja mais equilibrada", desabafou o veterano.
Equilibrar essa balança vai ser difícil, para não dizer impossível, então como competir com as cifras do outro lado do Pacífico? Com raça, como um bom latino.
"É o trabalho, é a paixão, a raça, a raça brasileira, argentina, uruguaia, latina. A famosa raça latina misturada com a inteligência", cravou.
"Eu acho que nós temos isso. Nós sofremos por essa pouca quantidade ou por essa dificuldade na hora de ter novos jogadores, mas a gente compensa com raça, paixão pelo e amor pelo jogo", finalizou.
Com a bandeira argentina em mãos e os olhos no topo, Noktse começa sua escalada no RMR às 2h desta terça-feira diante da Complexity.