Icônica foto das cadeiras de plásticos oferecidas ao público presente (Foto: Julia Garcia/e-SporTV)

Após 5 anos, organizadores da DreamHack Rio ainda não pagaram arena

Dívida total, envolvendo organizações, prestadores de serviços e dona da marca DreamHack pode superar os R$ 2,5 milhões

Hoje 13:00 Matéria atualizada com pedido de posicionamento de André Felipe Goulart, produtor da DreamHack Rio 2019, afirmando que também não recebeu pelo serviço prestado

Cinco anos se passaram e dívidas referentes à realização da DreamHack Rio 2019 ainda não foram pagas. A principal é a da locação da Arena Carioca 1, que faz parte do Parque Olímpico do Rio de Janeiro num valor que supera R$ 60 mil. O não pagamento foi confirmado pelo Ministério do Esporte (MESP) à Dust2 Brasil via Lei de Acesso à Informação (LAI).

Esse é o valor que consta no contrato firmado pela Autoridade de Governança do Legado Olímpico (AGLO) e Paulo Roberto Ribas, ex-presidente da Confederação Brasileira de Games e Esports (CBGE) e que na época presidia a Federação do Estado do Rio de Janeiro de Esporte Eletrônico (FERJEE). Esse mesmo contrato possui duas multas por atraso:

  • 1% da quantia total por dia de atraso

  • 10% da quantia total "para qualquer outra situação que não configure mero atraso, nos casos de qualquer outra situação de inexecução total ou parcial das obrigações assumidas, ressalvado o direito de cobrança de eventuais prejuízos".

A reportagem questionou o Ministério do Esporte quanto ao valor atual em duas oportunidades. A primeira foi em recurso da LAI feito no dia 5 de abril. O MESP pediu prorrogação para responder em razão da complexidade para a elaboração da resposta. O prazo final é 9 de maio. Já a outra tentativa foi por e-mail com a assessoria de imprensa do Ministério, em 24 de abril, mas sem retorno ao contato até a publicação desta matéria.

Vale destacar que, apesar do contrato entre a AGLO e FERJEE ter sido assinado pelo então presidente da federação, o atual mandatário Cadu Albuquerque garantiu à reportagem que a dívida relacionada a locação da Arena Carioca 1 já foi negociada com o Ministério do Esporte. O valor total da dívida, contudo, não foi informado.

Contrato assinado por Paulo Ribas, então presidente da FERJEE, e a AGLO pela locação da Arena Carioca 1 (Foto: Documento enviado pelo Ministério do Esporte via LAI)

Mas essa não é a única dívida que segue em aberto. Ribas, Filipe Alves Rodrigues, Encon Games, dona da marca DreamHack na época, e equipe da FERJEE buscaram captar R$ 3.894.291,74 via Lei de Incentivo ao Esporte. Para isso, os responsáveis pela DreamHack Rio apresentaram orçamentos para 24 serviços enviados por mais de 50 empresas.

A reportagem buscou contato com todas as empresas que enviaram os orçamentos nos projetos de captação apresentados pela FERJEE ao Governo do Estado do Rio de Janeiro em 2018 e 2019, algumas não conseguindo por já terem fechado. De todas, somente duas responderam o contato: Estrutend Estruturas, com orçamento presente no projeto de 2018, mas não no de 2019, e Rádios RJ, que consta nos projetos dos dois anos.

Carla Mendonça, executiva comercial da Estrutend Estruturas, confirmou que a empresa prestou serviço na DreamHack e que recebeu o acordado, mas sem falar de valores. A empresa enviou orçamento no valor der R$ 37.000,00 para o serviço "Tendas". Já a Rádios RJ prestou serviço "Comunicação" e não recebeu por tal. O valor acordado com a FERJEE foi de R$ 17.620,00, valor maior que o apresentado no orçamento de R$ 12.320,00

Paulo Ribas (esquerda) e Filipe Alves (centro) na coletiva de apresentação da DreamHack Rio 2019 junto de representantes dos governos municipal e estadual do Rio de Janeiro (Foto: Gabriel Braga/Versus)

Após a publicação da matéria, André Felipe Goulart, então um dos produtores do evento, procurou a reportagem para afirmar que também não foi totalmente pago pelos serviços que prestou na realização do evento. Além de fazer parte da equipe de produção, Goulart foi um dos responsáveis pela área vip e LAN party.

Segundo o produtor, o então diretor geral da DreamHack Brasil Filipe Alves Rodrigues foi quem o chamou para trabalhar. Goulart afirmou que chegou a assinar contrato, mas não se recorda se foi com a FERJEE ou Rodrigues, e que o vínculo foi oficializado somente um mês após já ter começado a trabalhar. Quanto aos valores, recebeu um mês e restando outros quatros sem receber.

Pagou ou não pagou?

Em 2020, os sites ESPN Esports Brasil e e-SporTV mostraram a existência de dívidas entre a FERJEE oganizações de esports, prestadores de serviço e até mesmo com a empresa que era dona da marca do evento. O valor total das dívidas pode superar R$ 2,5 milhões.

Para trazer a DreamHack ao Brasil houve uma negociação com Encon Games, a detentora da marca. O contrato foi assinado pela empresa espanhola e por Ribas, presidente da FERJEE. O valor da licença DreamHack, pelo período de três anos, ficou em R$ 2.309.647,60, na época - o valor em euro é de € 380.000,00.

Inclusive, o presidente da FERJEE, junto de Camilo Miranda, também representante de empresas que enviaram orçamentos à federação, Rodrigues, Leonardo Ribas e Pedro Henrique Moreira buscaram criar uma filial da Encon no Brasil chamada de Encon Games Brasil, mas que não saiu do papel.

Paulo Ribas junto do representante da DreamHack e equipe da FERJEE responsável pela DreamHack Rio 2019 (Foto: Divulgação/FERJEE)

Ao site e-SporTV, em 2020, Arturo Castelló, fundador da Encon Games e diretor executivo da DreamHack Espanha, disse que a empresa espanhola iria tomar ações legais na esperança de que os responsáveis cumprissem as obrigações com a companhia e terceiros. Novamente procurados neste ano, Castelló e a companhia não retornaram o contato.

Além do campeonato de CS:GO, vencido pela AVANGAR em cima da FURIA, a DreamHack Rio também contou com um showmatch de League of Legends protagonizado por INTZ e Flamengo. Por participação e premiação, os Intrépidos deveriam receber R$ 25 mil, enquanto os Rubro-Negros o total de R$ 15 mil.

As duas antigas gestões dos esports Rubro-Negro e a atual informaram à reportagem que não foram pagos. A INTZ não respondeu até a publicação da matéria.

Valores em aberto de acordo com reportagens anteriores

Parte interessada
AGLO/MESP
Encon Games
Flamengo
INTZ
DS Alado
Rádios RJ
Total:

Serviço prestado
Aluguel da Arena Carioca 1
Licença DreamHack
Participação e premiação
Participação e premiação
Brigada de incêndio
Rádios comunicadores

Valor a receber
R$ 66.101,35*
R$ 2.309.647,60
R$ 15.000,00
R$ 25.000,00
R$ 47.280,00
R$ 12.320,00
R$ 2.475.348,95

* O valor da dívida com a AGLO e MESP pode ser maior já que o contrato firmado tinha multas para atrasos. O Ministério não informou a reportagem o valor real não pago

Inside Produções foi outra prestadora de serviços que informou para os sites ESPN Esports Brasil e e-SporTV que esteve presente na DreamHack Rio. A empresa, contudo, não informou se foi paga, na época. A reportagem também buscou contato com a Inside por e-mail, telefone e WhatsApp. Em contato com Bruno César, diretor comercial da empresa, teve como resposta inicial que ele não tinha "a menor ideia" do assunto. Porém, foi o próprio César que enviou o orçamento à Ribas, o qual disse não conhecer.

Após receber maiores detalhes da reportagem sobre os orçamentos enviados pela Inside à FERJEE, César disse: "Infelizmente vou ficar te devendo essa informação, por enquanto. Não achamos. Posso buscar em nosso arquivo morto. Essa proposta não diz que realizamos o evento, já procurei em nossos banco de imagens e nossos e-mails são de 2020, e por esse título não localizamos."

A reportagem também conseguiu contato com Marcelo Gargaglione, diretor financeiro, que inicialmente afirmou que a informação era confidencial. Após a explicação de que o orçamento e valores foram obtidos via Lei de Acesso a Informação, Gargaglione sugeriu que o site obtivesse as informações diretamente com os responsáveis pela DreamHack Rio.

Em 2020 ao site e-SporTV, a INTZ descreveu Camilo Miranda como um dos responsáveis pela Encon Games Brasil, que seria a filial da empresa espanhola no país. O nome de Miranda também consta em orçamentos que constam nos projetos de 2018 e 2019 por duas empresas: Ruddah Produções, como sócio administrador e diretor do departamento comercial, e Retrátil Cenografia como sócio diretor. As informações constam na Receita Federal e também no perfil do próprio Miranda no Linkedin.

A Ruddah Produções foi a empresa que apresentou os menores orçamentos para "Produção Geral", "Equipe de Apoio", "Coordenação Técnica" e "Produção Financeira e Administrativa". Se realmente foi contratada para tais serviços, a empresa iria receber R$ 706.900,00. Já a Retrátil apresentou um único orçamento, o menor em "Cenografia", no valor de R$ 519.424,35.

Orçamentos apresentados pela FERJEE ao Estado em 2019

Serviço
Produção geral
Equipe de apoio
Coordenação técnica
Local de execução
Cenografia
Serviços médicos
Comunicação
Controle de tráfego
Segurança
Brigada de incêndio
Carregadores
Limpeza
Alimentação
Produção F&A**
Prestação de contas
Divulgação/Streamer
Divulgação/Streamer
Divulgação/Rádio
Iluminação
Sonorização
Imagem e projeção
Broadcast
Expo esports

Vencedora*
Ruddah Produções
Ruddah Produções
Ruddah Produções
AGLO
Retrátil Cenografia
Safety
Rádios RJ
Litoral ABS
BSS Vigilância
DS Alado
Entreartes
Entreates
Well Done
Ruddah Produções
Batista Associados
Talent Expert
ART Entretenimento
Dial Brasil
Inside Produções
Inside Produções
Inside Produções
BCTV
Rio Trade

Valor
R$ 469.700,00
R$ 125.400,00
R$ 46.800,00
R$ 475.268,00
R$ 519.424,00
R$ 77.100,00
R$ 12.320,00
R$ 15.600,00
R$ 310.530,00
R$ 47.820,00
R$ 43.200,00
R$ 33.800,00
R$ 9.644,00
R$ 66.000,00
R$ 250.000,00
R$ 129.000,00
R$ 21.000,00
R$ 32.000,00
R$ 28.000,00
R$ 32.000,00
R$ 32.000,00
R$ 349.794,00
R$ 160.000,00

* As empresas que apresentam os menores orçamentos são consideradas as vencedoras para a prestação de serviço. Porém, os documentos obtidos pela reportagem não mostram quais foram contratadas.
** Produção financeira e administrativa.

O que dizem as partes

Em entrevista à reportagem durante o evento de lançamento do GET Rio, ano passado no Rio de Janeiro, o ex-presidente da FERJEE e então presidente da CBGE disse que as dívidas referentes à realização da DreamHack Rio tratavam-se de situações "bem esclarecidas" na mídia e até nos órgãos de controle.

"Essa é uma situação que já foi bem esclarecida na mídia e até nos órgãos de controle, vamos dizer assim. A CBGE não teve participação nenhuma, foi a federação do Rio de Janeiro que, tecnicamente, apoiou o projeto DreamHack. E seria maravilhoso se tivesse funcionado. Nós conseguimos o certificado do mérito da capital para captar os recursos, que não foram captados. Então não teve recurso público, e, com isso, foi ruim. Ruim para a comunidade como um todo. O projeto não foi executado como deveria ser. Na época a FERJEE apoiou a DreamHack mundial e suas empresas, que foram as executoras do projeto e que deixaram algumas pendências com as empresas que trabalharam para a DreamHack. Nenhuma dessas empresas trabalharam para a FERJEE", explicou

Ribas completou dizendo que a FERJEE realizou um campeonato sul-americano, com recursos próprios, na Arena Carica 1, mas em local diferente do utilizado pela DreamHack: "Então, todas as empresas que trabalharam no projeto DreamHack, apesar da FERJEE ter sido a parceira local das empresas da DreamHack, não foram executoras de nenhum projeto da FERJEE, mas sim da própria DreamHack. E aí houve alguma tentativa de comunicação lá fora. Os donos não são mais os mesmos. ESL, FACEIT e DreamHack pertencem a um outro grupo. Nós estamos acompanhando. Tecnicamente e juridicamente estamos amparados e não tem nada haver com a CBGE. É diretoria FERJEE, que hoje (inaudivel), mas a gente acompanha tecnicamente e juridicamente tranquilos porque, da nossa parte, executamos tudo o que estava previsto. É isso que podemos falar de um passado que está tranquilo".

Neste ano, após o GET Rio, a reportagem voltou a buscar um posicionamento de Ribas, via WhatsApp, sobre os R$ 3 milhões em aberto da DreamHack Rio. O ex-presidente de CBGE e FERJEE foi categórico: "Nunca houve essa dívida de R$ 3 milhões". Ribas, contudo, confirmou que algumas prestadoras de serviço não foram pagas. "Algumas empresas não receberam, enquanto outras receberam pelo o que acompanhamos. Esse valor eu desconheço, mas sei que algumas pequenas empresas ficaram com um saldo com a DreamHack, das empresas donas da DreamHack".

No dia 24 de abril deste ano, novamente via WhatsApp, a reportagem fez outro questionamento a Ribas sobre as dívidas da DreamHack Rio. No mesmo dia o ex-presidente da FERJEE respondeu que tudo quanto ao evento de 2019 foi respondido "inúmeras vezes": "Encon era a dona do evento. Ela quem fez a produção".

A reportagem seguiu questionando Ribas, citando a entrevista dada pelo ex-presidente da CBGE no lançamento do GET Rio. No dia 25 do último mês o mandatário novamente falou que as questões sobre a DreamHack estavam pacificadas e ainda prometeu conceder entrevista ao site, o que nunca foi feito. Durante toda essa semana a reportagem seguiu pedindo um posicionamento quanto a DreamHack e a entrevista prometida, mas sem resposta.

Cadu Albuquerque, atual presidente da FERJEE foi procurado e, via assessoria de imprensa da entidade, disse: "Não estivemos envolvidos na gestão mencionada, então não podemos fornecer uma resposta precisa. Sugiro que essa questão seja direcionada ao presidente que estava no cargo na época."

A assessoria ressaltou que Albuquerque não estava na FERJEE durante o período da DreamHack Rio e não participou do evento. Por isso, o presidente não possui informações concretas.

É importante ressaltar que Cadu Albuquerque não esteve na FERJEE durante esse período e não participou do evento, então não possui informações concretas, pois assumiu apenas em 2023.

Quanto a dívida com o Ministério do Esporte pela locação da Arena Carioca 1, a assessoria da FERJEE afirmou que Albuquerque está liderando conversas com o Governo Federal para o parcelamento do valor. "No entanto, como o contrato foi assinado por Paulo Ribas, não estaremos conduzindo comunicações diretas com os fornecedores; cabe exclusivamente a ele arcar com os custos dos mesmos", apontou.

A assessoria da federação destacou ainda que a administração da entidade está empenhada em restaurar completamente a credibilidade no mercado, o que inclui lidar com as dívidas deixadas pela primeira gestão, e pronta para resolver os problemas existentes.

Por outro lado, ao questionada sobre os planos da federação para manter as dívidas ligadas ao ex-presidente, a entidade não respondeu.

Leia também

Você precisa estar logado para fazer um comentário.