Gaules: "Hoje estamos na TV da sala das famílias"
Não é novidade que o estilo de transmissão de Alexandre "Gaules" Borba veio para ficar. Quatro anos depois de fazer seus primeiros campeonatos, o principal streamer do Brasil segue batendo marcas: só esse ano, ele já foi o brasileiro mais assistido da Twitch no primeiro trimestre e foi o streamer de variedades (que transmitiu entre 10 e 50 jogos diferentes) mais assistido do mundo.
Em entrevista a Dust2 Brasil, Gaules conta que, mesmo se acumulando, os números ainda são marcantes para ele.
"É sempre uma marca, porque é difícil se manter. O histórico de stream é muito recente, a profissão é muito recente, todo o mercado é muito novo ainda. Você vê muitos streamers chegando e, em um curto período de tempo, você vê os números flutuando muito. Todo ano chegam muitos streamers bons, todo ano muitos streamers bons acabam indo fazer outras coisas, perdem um pouco da relevância ou da mão do público. Chegar agora nesse quarto ano e continuar quebrando recordes e recordes mostra que estamos no caminho certo", afirmou.
O veterano aproveita para destacar que, há mais de um ano, está investindo em profissionais ao seu redor e aumentando o quadro de funcionários da "Gau S/A".
"Agora, o Gaules não é só um streamer, é uma empresa, que faz parte de um grupo. Todos os novos conteúdos, tudo que temos feito, vai sendo refletido nesses números que vão aparecendo e sendo um bom termômetro para nos dizer que estamos num caminho legal", completou.
Enquanto o número de fãs aumenta, Gaules percebe que a abrangência de sua comunidade também mudou. Antes focado nas transmissões de CS:GO, o veterano hoje diversifica o conteúdo com futebol e basquete, por exemplo, e vê o comportamento nos chats e na vida real de seus seguidores mudarem.
"Eu estava lá no Rio2C (evento de negócios) e eu percebi, em outros eventos também percebo, que o público mudou bastante. Hoje têm muitos pais que vem falar comigo, e falam 'meu filho é seu fã e eu também assisto'. No começo era um público muito masculino, e agora é feminino também, no geral tem muita gente que está acompanhando. Percebo que hoje a Tribo ela conquistou muito mais espaço", disse.
Gaules sintetiza essa mudança com uma máxima: suas streams saíram do quarto do filho mais novo e ganharam a sala de estar.
"Antes nós estávamos muito dentro do quarto, no computador ou na televisão, e hoje estamos na sala. Antes criávamos um conteúdo muito restrito ao quarto das pessoas, a um momento que ela estava ali deitada na cama, ou no notebook, e hoje ela está ali durante o dia todo. O horário das streams também mudou, hoje ficamos o dia inteiro ligado na TV da sala das famílias, e isso eu percebo nitidamente".
Comprando e distribuindo direitos
Nos últimos grandes campeonatos transmitidos por Gaules, uma mudança significativa foi notada: nomes como Alessandro "Apoka" Marcucci, André "Liminha" Kenzo, Filipe "bt0" Moreno e Jean Michel "mch" D'Oliveira agora também tem os direitos de imagens de campeonatos da ESL e da BLAST Premier, o que não acontecia antes, quando eles apenas comentavam as transmissões de Gaules.
Gaules explica que este foi um trabalho de longo prazo e que precisou conquistar os organizadores de torneio.
"Quando chegamos pra fazer as transmissões o mercado era de um jeito, ele foi se transformando aqui no Brasil, nossa região foi se mostrando única em comparação a qualquer região do mundo quando se fala em comunidade de CS, principalmente transmissão. Aí sabemos que primeiro precisávamos ganhar confiança, porque o trabalho feito é totalmente diferente, ninguém nunca se propôs a ter a estrutura que temos hoje para atender as empresas que organizam os campeonatos. Eu sabia que tínhamos que ir passo a passo, mostrando que você pode fazer um trabalho, ganhando o respeito", contou.
Gaules também disse que, mesmo que tenha números que chamam a atenção de qualquer organizador de eventos, ainda compra a maioria dos direitos de transmissão.
"Depende muito (do campeonato), mas os principais vem de acordos, contratos, e compra de direitos de transmissão, como em qualquer grande esporte. Nós temos uma comunidade muito grande, números de audiência muito grandes, virou um negócio, e você tem que participar. Tem os 'bids', os leilões, e temos grandes concorrentes que tentam ter esses direitos e aí eles veem o projeto de cada um, como se fosse uma Copa do Mundo. A Copa tem os direitos dela e ela faz os bids, vê quem tem a oferta mais completa e, dentro dessa oferta, escolhe. É parte do profissionalismo que o mercado tem atingido hoje em dia. Dentro do pacote que oferecemos hoje, continuamos e vamos continuar sendo um pacote mais interessante e completo para os organizadores, porque no final do dia não adianta chegar alguém, comprar esses direitos de transmissão, e não ter a entrega que a gente se profissionalizou para fazer. No final do dia não é só transmitir o campeonato e acabou, você tem toda uma série de coisas, demandas, para que no final do dia o campeonato fique satisfeito, o público fique satisfeito, os patrocinadores saiam satisfeitos. Hoje somos uma das regiões que mais consegue entregar dentro desse complexo todo. Tenho certeza que hoje fazemos um trabalho diferente".
"Eu não vim para fazer carinho"
Mesmo que seja quase uma unanimidade nas conversações públicas, Gaules recebe críticas nos bastidores por "monopolizar" as transmissões e concentrar o dinheiro na mão de sua empresa. O veterano disse estar vacinado com isso e que, com o tempo, essas pessoas percebem que ele tem ajudado a comunidade brasileira.
"A maldade está na cabeça de quem pensa. Eu não me importo com isso. Desde o começo, tudo que eu fiz, para algumas pessoas nunca valeu de nada. Essas pessoas vão continuar achando a mesma coisa. É óbvio que, com o tempo, algumas pessoas vão olhar e falar 'Quer saber? Estou sendo babaca de não perceber o quanto a comunidade brasileira é bem vista e bem quista lá fora, e o quanto as coisas mudaram'. Eu não vim para fazer carinho, para agradar todo mundo, eu vim para tentar arrumar e cuidar do que eu amo, e para fazer isso vão ter coisas duras para acontecer", contou.
"Hoje temos vários times lá fora, visibilidade para um monte de gente, diferentes tipos de transmissão, o mundo olha e fala 'Caramba, o Brasil é uma festa que eu gostaria muito de fazer parte. As pessoas quando estão lá fora e olham o que fazemos, elas imaginam como isso é feito. É óbvio que isso vai gerar um desconforto em quem as vezes não conseguiu fazer o que fazemos. Eu simplesmente não me preocupo com isso, porque no final do dia, é óbvio que tudo que está fazendo exige um trabalho muito grande, existe uma recompensa muito grande, justa e merecida. Ninguém dedica, trabalha e coloca mais esforço para uma comunidade em relação a transmissão do que o eu faço, do que a gente faz, como empresa. É mais do que merecido que consigamos chegar nos lugares", completou.
De acordo com Gaules, a transmissão brasileira é referência para o mundo e as empresas querem estar no país.
"Hoje, o Brasil e a transmissão de Counter-Strike, que nunca havia sido referência, é a maior do mundo. Qualquer empresa organizadora de eventos olha para nós e sabe que somos a transmissão número um do mundo. Se isso é um problema (para alguém), não é pra mim. Pra mim é uma coisa boa e acredito que para os jogadores também seja, para todo mundo que gosta da comunidade de Counter-Strike, é uma coisa excelente. Eu não tenho como agradar todo mundo, isso aí eu percebi logo nos primeiros dias, nas primeiras transmissões. Eu falo que sempre vai ter essa pessoa desconfortável. E outra, antes, se eu fazia transmissão para 10 mil e 10% não gostavam, já eram mil. Hoje, se eu faço transmissão para 100 mil pessoas e 10% não gostam, são 10 mil. Eu sei que se tem 90 mil gostando, tem 10 mil que não vão gostar. Isso faz parte do jogo"
O streamer aproveitou para dizer aos críticos que, quando começou a fazer sucesso, não tinha os direitos de transmissão dos majors - o primeiro mundial em que o canal de Gaules serviu como transmissão oficial do evento foi no StarLadder Berlin Major, o segundo de 2019.
"É só voltar no tempo e lembrar que no major que batemos todos os recordes nós não tínhamos o direito de transmissão, eu nem sei como era o palco dos majors de 2018, 2019, que eu estava transmitindo no apartamento antigo. Sempre transmitimos pela GOTV, com delay maior do que todos, sem imagens do evento, e nunca foi uma desculpa. Quando você quer arrumar uma desculpa para o sucesso dos outros, você sempre arruma. Quando você quer arrumar uma desculpa para o seu fracasso, você sempre arruma. A história está escrita" afirmou.
Sem desperdiçar talentos
Gaules também falou sobre a atual situação do cenário nacional de CS:GO. Para o streamer, mesmo que o número dos campeonatos locais não sejam os maiores, os jogadores que competem no país nunca tiveram tanta oportunidade para se destacar.
"Acho que se você tem talentos sendo perdidos, você tem uma preocupação muito grande com a comunidade nacional de um determinado jogo. Antes, você podia ir para no máximo dois ou três times. As oportunidades eram muito limitadas", disse.
Gaules também afirmou que a quantidade de vagas para eventos internacionais, principal chamarisco para equipes que competem no Brasil, está aumentando, além da quantidade de equipes ideais para desenvolver o talento.
"Hoje, quando olhamos para o cenário, não é mais um time ou dois, são vários times que estão competindo em alto nível, e hoje o jovem talento tem um monte de lineups academy, um monte de opção. Devemos ter pelo menos 7, 8 ou 10 times que um jovem talento pode ir. O cenário nacional nunca foi tão forte e tão 'olhado' quanto hoje, porque conseguimos dar visibilidade às histórias que tem no Counter-Strike nacional", contou.
"As pessoas dão valor para o grande time, mas elas querem a conquista principal, o major, ou um campeonato mundial grande. Hoje, dentro dessa balança, percebo que o mais importante, a primeira coisa que tem que existir, é a oportunidade. Não tem jogador bom, talento bom, deixando de jogar CS ou indo para outro jogo porque ele não tem oportunidade, não existe isso, já faz um tempo que não existe. Se o menino é bom, tem talento, vai ficar no cenário brasileiro, arrumar um time aqui no Brasil, daqui a pouco vai para uma lineup que está lá fora e vai continuar sendo uma joia a ser lapidada dentro do Brasil por um time, uma organização brasileira, com jogadores brasileiros", completou.
Para Gaules, os campeonatos locais têm como principal função revelar esses talentos para os grandes times brasileiros que atuam no exterior.
"O campeonato brasileiro passa a ter uma outra função. Vira quase que uma categoria de base da categoria de base, porque se os principais jogadores estão lá fora, a gente tem os jogadores novos surgindo aqui e isso está sendo feito, você tem um circuito, opções para a pessoa jogar, que talvez não sejam as melhores do mundo, mas a partir do momento que você tem muita gente boa competindo internacionalmente, você tem que entender que a vida, o começo da vida de um atleta também tem dificuldades".
"Óbvio que queremos melhorar ainda mais, mas acho que, primeiro, o que precisava ser feito está sendo feito. É ter mais opções e contar as histórias, igual fizemos no último RMR. Quantas histórias ali, de times nacionais que estão brigando há muito tempo, mesmo jogando internacionalmente, eles brigam para contar as histórias deles e para se tornarem mais interessantes e conquistarem o carinho do público, e isso acho que foi muito bem feito no RMR", continuou.
g?
Bem estabelecido como streamer, Gaules recentemente quase se aventurou em uma frente que conhece bem: a de dono de time. O veterano foi um dos primeiros a receber o projeto do Last Dance, time liderado por Gabriel "FalleN" Toledo e que hoje defender a Imperial. No fim do ano passado, Gaules e os integrantes da equipe conversaram sobre uma possível parceria, mas o negócio não andou.
"Para que o g3x acontecesse junto desse projeto, teria que nenhuma outra coisa funcionasse. O que eu conversei com o FalleN foi 'cara, esse é seu sonho, é isso que você quer fazer, sei que o mercado tem uma forma de receber esses projetos que pode dar certo ou errado, mas se você não conseguir em lugar nenhum, saiba que tem um lugar aqui que conseguimos viabilizar'. O meu medo, meu receio, era de não dar a estrutura que eles merecem, por não estar pronto", afirmou.
"A minha concepção de clube é que ele vem primeiro do que qualquer jogador, então primeiro você tem que ter uma base, um local de treino, uma equipe de gestão, uma estrutura de pessoas para receber pessoas. Se vai ser o melhor jogador do mundo ou um jovem talento, tanto faz, porque a base está ali, a fundação de tudo isso está construída. A partir do momento em que você não tem nada disso, e aí vai receber atletas e, esses são os melhores que tem, atletas de ponta, aí acho que você tem um problema muito grande", continuou o streamer.
Segundo Gaules, o tempo que a organização precisaria para se estruturar poderia acabar prejudicando os jogadores. Por isso, o g3nerationX foi um "estepe" que não precisou ser usado, já que o time conseguiu a Imperial.
" A decisão pela Imperial foi muito acertada, porque você vê que existe uma paixão muito grande. Talvez, em primeiro momento, eles não tinham a melhor estrutura possível, mas acho que o desejo deles de fazer isso fez com que as coisas fossem caminhando", disse.
Gaules finalizou reforçando uma fala que é recorrente em suas transmissões: o g3x só volta se for o projeto de vida do streamer.
"E, do meu lado como empresa, não é segredo para ninguém que temos o nosso plano, o que temos feito, que são as transmissão. O g3x hoje não seria meu projeto principal, e eu não gostaria de voltar com ele enquanto não fosse um projeto que eu tivesse um bom tempo para dedicar", finalizou.