CBDEL trocou time no mundial feminino e favoreceu equipe de funcionária
A Storm Gaming representou o Brasil no mundial feminino deste ano organizado pela Federação Internacional de Esports (IESF, em inglês). A equipe, porém, não era a representante nacional em primeiro momento. Um mês depois de convocar o primeiro time, a Confederação Brasileira do Desporto Eletrônico (CBDEL) refez a escolha, em ação que acabou beneficiando uma organização que tem como manager a gerente de esportes digitais da entidade, Jennifer Souza.
De acordo com informações apuradas pela Dust2 Brasil, o plano inicial era convocar os times federados visando a seletiva americana para o mundial. O chamamento foi feito e apenas a God Genesis - usando a escalação que estava no projeto free agent MoonCats -, se inscreveu e, automaticamente, ficou com a vaga brasileira no qualificatório.
Tudo mudou quando a CBDEL soube pela IESF que teria vaga direta no mundial e, em vez de repassar a vaga para God Genesis, realizou outra convocação dando justificativas diferentes para as equipes interessadas. À God Genesis e à reportagem afirmou que a nova convocação era uma ordem da federação internacional, enquanto para a Storm explicou que havia cometido um erro de publicação.
Linha do tempo
A CBDEL realizou a primeira convocação em 7 de abril. A God Genesis foi a única inscrita e as jogadoras assinaram contrato com a confederação, repassados pela entidade à IESF junto de outras informações das atletas. Integrantes da entidade brasileira confirmaram que o time estava apto a disputar a seletiva americana para o mundial. Todas essas informações constam em um grupo no WhatsApp formado por integrantes da God Genesis e dois funcionários da CBDEL.
Já o segundo chamamento foi feito pela CBDEL em 11 de maio. Neste não só a God Genesis, mas também a Storm se inscreveram. Por isso a confederação precisou realizar uma seletiva entre as duas equipes, vencida pela Storm, que conquistou a vaga no mundial da IESF.
Erro próprio ou ordem da IESF?
A alegação dada pela CBDEL à God Genesis de ter que refazer a convocação por ordens da IESF está registrada em grupo no WhatsApp no qual participaram as jogadoras e o dono da organização Arthur Noal, além do diretor de esportes digitais da confederação Ulisses Witter e a gerente de esportes digitais da entidade Danielle Torok. A reportagem teve acesso às conversas.
Em 19 de abril Witter afirmou no grupo que a God Genesis representaria a CBDEL na seletiva americana e que já havia repassado para a IESF os contratos assinados pelas jogadoras e outras informações. Uma semana depois foi o próprio diretor que informou a necessidade de uma nova convocação porque o Brasil havia ganhado vaga direta no mundial. A notícia não foi bem recebida pelas atletas. Witter explicou que tratava-se de uma ordem da federação internacional.
"Sobre o evento regional, infelizmente não vai mais ocorrer. Teve apenas essas equipes registradas (de Brasil, Argentina e EUA) e por isso não vai mais acontecer (a seletiva regional). (O regional) foi transformado em um showmatch entre Brasil e Argentina no qual vocês participarão. Agora a CBDEL tem vaga direta no mundial na franquia CS:GO feminino, portanto será feito um novo chamamento. O processo é esse. Estávamos aguardando as informações da IESF e eles fizeram essas mudanças.", explicou Witter em conversa no grupo.
Torok complementou dizendo que "a única coisa que a IESF quer é que haja um novo chamamento no Brasil para essa vaga. É o que teremos que fazer."
A primeira versão foi desmentida pela própria IESF por dois funcionários em contato com as integrantes da God Genesis. Simona Ivanovska, que faz parte do comitê de atletas, recebeu uma reclamação formal das jogadoras e inclusive chegou a conversar com as atletas pelo Google Meet e nessa reunião garantiu que a federação internacional não mandou a CBDEL refazer a convocação.
A mesma informação foi dada por Igor Nedeski, manager de competições da IESF. Procurado pela reportagem, Nedeski confirmou tanto que foi questionado pelas brasileiros, como também que a federação internacional não deu ordem alguma e complementou que "a federação possui o direito de escolher quem representa o seu país".
Já a versão de erro na publicação foi revelada à redação por Fabiano "FHC" Heidrich, CEO da Storm.
"A CBDEL fez a publicação com a data final da seletiva errada. Montei o time e fui fazer a inscrição, dentro do prazo que eles publicaram quando me informaram que a seletiva já tinha ocorrido. Na realidade nem seletiva teve pois só tinha um time inscrito. Como havia uma data anunciada na rede social eu cobrei deles que a data anunciada fosse cumprida já que já tínhamos montado um time só para essa seletiva. Eles discutiram internamente e resolveram, em função do erro da publicação, fazer uma nova seletiva", disse.
"Após a minha reclamação eles tiveram reuniões internas para decidirem o que iriam fazer. Se consultaram a IESF ou não, não sei te responder. Apenas afirmei junto a CBDEL que eu entendia que esse erro estava prejudicando muita gente, não apenas o meu time já que imaginei que outras equipes também estavam esperando a data anunciada para fazerem suas inscrições", completou.
Quando questionado sobre quem informou a Storm sobre o erro na publicação, FHC disse que conversou com a entidade, "pelo que se lembra", por "um dos grupos deles".
"A CBDEL tem vários grupos, mas não lembro exatamente em qual grupo foi ou quem me respondeu sobre o erro. Como minha manager geral da Storm assumiu esses tipo de contato acabei saindo de todos os grupos", disse.
O CEO da Storm garantiu saber que Jennifer Souza "exercia (ou exerce) algum cargo na CBDEL.
"Até onde sei, (o cargo) não era ligado ao PUBG e, até onde eu sei, não era ligado ao CS, pois o responsável pelo CS é o Ulisses Witter. Mas qual exatamente a função dela na CBDEL eu realmente não sei", disse. Ele também afirmou que é a própria Souza que o avisa sobre os prazos de inscrições da confederação brasileira.
"Sim, sempre quem me avisa dos prazos de inscrições na CBDEL, ou em qualquer outra entidade pela qual vamos jogar um ou outro campeonato, é ela, já que essa é a função do manager. Eu ficaria muito chateado com ela se não me avisasse sobre oportunidades para a organização, você não concorda com isso?", disse.
Proposta à adversária e informação privilegiada
Exercendo a função dupla de manager da Storm e gerente de esportes digitais da CBDEL, Jennifer Souza tentou contratar a line da God Genesis. Conversas obtidas pela reportagem mostram que Souza, em 27 de abril, entrou em contato com uma das integrantes da God Genesis a fim de saber se a line toparia mudar de organização.
"Vocês iriam representar um time, se você quiser eu mando o nome desse time, para um qualify brasileiro. Eu sou da seleção brasileira e vamos disputar o mundial na Romênia. Então, seria assim: só tem um time cadastrado até então no CS:GO feminino e vocês iriam disputar um qualify contra esse time e se vocês ganhassem vocês iriam para as Américas disputando uma vaga para a Romênia", disse em mensagem de voz.
Para chamar ainda mais a atenção da jogadora, Souza afirmou que a última edição do mundial realizado pela IESF, em 2022, foi considerado pelo Guiness Book como "o maior campeonato de jogos virtuais do mundo".
Souza soube pela própria jogadora que a atleta era da God Genesis e até a perguntou se continuariam ou não na organização.
Ainda na conversa com a atleta da God Genesis, Souza mostrou a atleta uma planilha com as vagas que cada região das Américas tinha para o mundial da IESF, além das datas da seletiva brasileira referente a segunda convocação - informação esta que, também em 27 de abril, as jogadoras da God Genesis questionaram à Witter e Torok, mas não tiveram resposta.
Posicionamentos
A reportagem inicialmente entrou em contato com a CBDEL na pessoa do diretor de comunicação e marketing Haran Camatti em 31 de agosto pelo WhatsApp. O contato foi refeito na terça-feira e também nesta quarta-feira. A redação também conversou com Uanderson Pereira, o diretor jurídico, após solicitação feita por Jennifer Souza.
A confederação respondeu o pedido de posicionamento por meio de nota, falando sobre um erro que cometeu na postagem da convocação, mas sem explicar o por que dois funcionários da entidade afirmaram à God Genesis que a mudança se deu por ordem da IESF. Veja:
"Durante a postagem de chamamento para a seletiva de CS:GO feminino para a IESF, a postagem do Instagram informou uma data limite diferente (superior) a anunciada textualmente pela CBDEL. Após o período informado no texto passar, uma equipe tentou se inscrever e foi informada que as inscrições estavam fechadas. Instantaneamente a equipe questionou, uma vez que havia um post no Instagram informando uma data posterior a sua tentativa de inscrição. Em respeito a todos os jogadores e equipes, decidimos manter a data final de inscrição como a data com mais prazo para todas as equipes, entregando oportunidade para que novas equipes fazerem suas inscrições durante esse período."
Após tomar conhecimento da reportagem, o dono da God Genesis procurou a reportagem e disse que "a organização se isenta de todo processo de cobrança e/ou queixas sobre o campeonato conforme informado no texto. O mesmo vem por parte das atletas que, no momento do campeonato representaram a organização. A GodGenesis não teve nenhuma reunião com a IESF sobre o assunto".
A reportagem também procurou as jogadoras, que, juntas enviaram a nota abaixo.
"Após escrever uma carta formal para a IESF detalhando os acontecimentos, uma representante do comitê de atletas chamada Simona Ivanovska nos respondeu e pediu para marcar uma reunião para tentar entender melhor a situação. Ela também convidou um representante PANAM, Gabriel Pinheiro, que é brasileiro, para que ele pudesse ajudá-la caso ela não entendesse algo do nosso inglês, e ele também parecia estar a par de questões polêmicas relacionadas a CBDEL no passado.
Nessa conversa entre as jogadores, Simona e o Gabriel, nós explicamos a situação novamente, demos ênfase no fato de que para nós foi dito que a decisão de abrir um novo chamamento tinha partido da IESF e a CBDEL só estava seguindo ordens.
A Simona pareceu muito confusa com a informação e reforçou que a IESF não sabia de nada e que eles sequer tinham controle de como cada país federado montava ou selecionava seus times. Conforme a conversa avançava, ela dizia achar um absurdo o que aconteceu com a gente, enquanto o Gabriel não parecia muito surpreso, chegando até comentar com a Simona sobre a má reputação da CBDEL no Brasil.
Ela se mostrou muito interessada em nos ouvir e tentar apurar os fatos, nos pediu para encaminhar todas as provas que tínhamos e que ela analisaria com cuidado para nos dar uma resolução, mesmo que a situação não pudesse ser revertida.
Deixamos claro também durante a conversa que nosso intuito não era conseguir a vaga de volta, ou realizar novos jogos, que nós só queríamos que a CBDEL fosse punida e, se possível, que outra entidade brasileira organizasse os classificatórios de forma adequada nos próximos anos. Em seguida, enviamos por e-mail tudo que conseguimos, mas infelizmente até hoje não recebemos retorno."