Advogados alertam cuidados que jogadores devem tomar ao assinar contratos
O Counter-Strike mundial passa por mais uma janela de transferência e saber por qual equipe jogará no segundo semestre deste ano não é a única preocupação dos jogadores. Neste período das negociações, os atletas também ficam atentos com o que lhe são prometidos e, principalmente, com os contratos oferecidos, seja de renovação, ou para vestir a camisa de uma nova equipe.
Por conta disso, a Dust2 Brasil conversou com três advogados especialistas no direito esportivo eletrônico a fim de destacar o que os jogadores precisam se atentar para que não caiam em contratos abusivos. Participaram da reportagem especial os doutores Hélio Zwicker e Igor Gouvea, ambos da Terras Coelho Advogados, e Nicholas Bocchi, da Bocchi Advogados Associados.
Os três advogados apontam que atualmente não há uma lei especifica para os esports. Então os contratos são feitos com que base? Até junho deste ano somente a Lei Pelé, que ganhou o reforço da nova Lei Geral do Esporte, mas também fazem parte deste universo o direito civil, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e direito do trabalho.
Nicholas Bocchi destacou que, inicialmente, é preciso analisar qual tipo de contrato será utilizado: ou de relação civil, ou relação de emprego. O advogado apontou que "contrato de prestação de serviço normalmente é irregular", mas que é utilizado por clubes que querem evitar "obrigações e custos trabalhistas" e, quando o vínculo é feito entre organização e a pessoa jurídica do atleta, a "pejotização", pode ser visto como uma forma de "fraudar a relação de emprego".
Então, o que é regular? "Regular nesses casos seria um contrato de trabalho. No caso de um atleta, pode se basear tanto na CLT, como também no Contrato Especial de Trabalho Desportivo (CETD). A CLT não permite contratos com prazos determinados, exceto em casos muito específicos, enquanto no CETD o prazo é determinado por uma cláusula obrigatória, com duração mínima de três meses e máxima de cinco anos", completou Nicholas Bocchi.
As multas milionárias
Nesta e nas últimas janelas de transferência chamaram a atenção os valores pagos pelas organizações nas transferências. Neste mês a FURIA acertou a contratação de Gabriel "FalleN" Toledo por mais de R$ 3 milhões e, em 2022, chamou a atenção os R$ 1,8 milhões desembolsados pelo Fluxo por Lucas "Lucaozy" Neves. Ainda teve os R$ 1,7 milhões pagos pela paiN por Romeu "zevy" Rocco.
Hélio Zwicker admitiu que as equipes "estabelecem valores elevados" nas multas porque se baseiam no Artigo 28 da Lei Pelé, que estipula o limite máximo de até 2 mil vezes o valor médio do salário em transferência nacional e sem limitação no caso de transferência internacional. Completando o colega, Igor Gouveia apontou que a Lei do Esporte "manteve o mesmo valor".
"Ou seja, um atleta que recebe, mensalmente, um salário no valor de R$ 5 mil pode ter uma cláusula indenizatória de até R$10 milhões. Então, fica mais fácil termos uma métrica de até quando pode chegar as multas", explicou
Hélio Zwicker ainda destacou que o jogador também tem direito a receber o valor da multa "se ele for demitido antes do prazo final do contrato". O advogado explica que essa multa nada mais é do que "o pagamento dos salários até o último mês de validade do contrato e ela é devida mesmo quando não está prevista no contrato.
E quanto a multa é indevida?
Nicholas Bocchi deu um exemplo de multa indevida quando é firmado contrato de natureza civil: "O valor da multa é de 120% o do próprio contrato, proporcional ao tempo do vínculo. Ponto este que as organizações podem pagar caro por ‘agir na irregularidade’ já que pode ser considerada inaplicável uma multa que supere o valor que ainda será pago até o fim".
Já Hélio Zwicker disse que uma multa "é considerada indevida para o clube quando o atleta for demitido por iniciativa do clube, ou quando a organização deixar de pagar salário, os direitos de imagem e outros títulos que o atleta tem direito. Em resumo, quando o clube não cumprir com suas obrigações por mais de dois meses. O atleta pode considerar, em tese, o contrato rescindido, mas é preciso, nessas ocasiões, consultar um advogado".
Quais cláusulas passam dos limites?
Antes de destacar as cláusulas indevidas, Igor Gouvea disse que o principal para o atleta é saber o que a lei diz ser obrigatório em um contrato. O advogado apontou como "itens de suma importância": a "qualificação completa das partes; objetivo e prazo; salário; multas, cláusulas indenizatória e compensatória; confidencialidade".
"As práticas abusivas se resumem na inobservância da lei, onde muitas vezes vemos contratos incompletos, em outras vemos contratos que transbordam má-fé e, ao final, advogados trabalham a forma como redigem seus contratos no intuito de trazer maiores benefícios aos grandes, médios e pequenos times em detrimento do atleta, visto suas responsabilidade como time e empresa", completou.
Seguindo a mesma linha, Hélio apontou que é recomendável que dois contratos sejam assinados: o contrato de trabalho e o contrato de cessão de imagem. "Ambos têm cláusulas relevantes e que devem ser cuidadosamente observadas pelos atletas, que é a parte mais frágil na negociação com uma organização", afirmou.
Quanto o que é indevido, exemplificou dizendo que "é muito comum os atletas questionarem benefícios que eles achavam que tinha, como direito aos stickers do time, incentivos decorrentes de ranqueamento, mas se isso não foi colocado no contrato e também não estiver na lei, esses benefícios são indevidos e os atletas não podem mais reclamar".
Organizações podem ficar com valores dos stickers?
Desde que os stickers foram criados para os Majors e as equipes brasileiras passaram a jogar os mundiais, muitos jogadores ficam na dúvida se as organizações têm direito aos valores dos adesivos, não só os próprios dos times, mas também os dos jogadores. Igor Gouvea afirmou que os stickers entram na questão de exploração de imagem, que não deve ser tratada no contrato de trabalho, mas no civil.
"Podemos trabalhar de três formas: o atleta receber um valor fixo, o time trabalha a imagem e recebe os valores; o atleta recebe um valor fixo e ainda um % da exploração da imagem, com o restante ficando para o time; o atleta recebe apenas um % da exploração e o time fica com o restante", explicou.
Em específico sobre os stickers das equipes, Nicholas Bocchi afirmou que "é válido" as organizações ficarem com os valores desses adesivos, "pois são comercializados como elementos de imagem e marca da organização, e os resultados financeiros a ela pertencem, exclusivamente. Entretanto, é um direito que o clube pode distribuir a critério próprio. Mas para isso é necessário que toda essa negociação seja bem desenhada no contrato".
Mas o advogado lembrou também sobre os stickers dos jogadores, as famosas assinaturas. Nesses "os valores devem ser negociados no contrato que define a cessão do direito de uso de imagem" e os jogadores "devem ter cuidado, pois o contrato pode definir que essa cessão seja feita de forma gratuita".
Direito de imagem
Outro questionamento bastante feito pelos jogadores é sobre direito de imagem, que, de acordo com Nicholas Bocchi, no Brasil é chamado de "direito de arena" e os atletas têm, sim, "direito a valores referentes à transmissão do espetáculo esportivo", conforme estipula o Artigo 42 da Lei Pelé.
Hélio Zwicker completou dizendo que é por isso que os jogadores costumam assinar dois contratos: o de trabalho e o de cessão de imagem, cada um com uma remuneração diferente. "Contudo, a remuneração do direito de imagem não pode ser valor superior a 50% do que o salário", alertou.