
"Cenário de guerra": boltz fala sobre enchentes no Sul e ajuda aos afetados
Mais de 2 milhões de pessoas em 452 munícipios do Rio Grande do Sul foram afetadas pelas enchentes causadas por chuvas que assolam o estado desde o fim de abril, segundo o último boletim emitido pela Defesa Civil. Muitas delas fazem parte da comunidade de Counter-Strike seja jogando casualmente, na cena amadora ou até profissionalmente, como é o caso de Ricardo "boltz" Prass, um dos que conversaram com a Dust2 Brasil sobre o que estão passando desde o início das inundações.
Morador do Centro de Canoas, boltz não teve perdas materiais diretas, como casa alagada ou carro boiando nas ruas. De início ficou sem luz, sem internet e a parte do bairro ainda não teve o fornecimento de água religado. O jogador viu de perto o quanto as enchentes afetaram a população no geral.
"A água chegou na esquina da rua do prédio onde moro e ali estavam acontecendo muitos resgates. Onde moro é meio que uma das entradas para o bairro Matias Velho, um dos mais afetados. Então, ali estava rolando resgate o tempo inteiro e, por conta disso, tiveram que desligar a luz", contou.
Vizinho de boltz, Jocenei "goNzo" Borba não teve a mesma sorte, já que não só teve a própria casa inundada, no bairro de Mato Grande, como também a loja de informática, localizada em Mathias Velho.
"Onde eu moro encheu primeiro. Quando eu estava jogando um lobby de CS minha esposa veio me contar que o bairro iria ser evacuado. No fim da minha rua tem um açude que desemboca na Praia do Paquetá. Ali já estava enchendo e eu passei a noite acordado monitorando o nível de água. Logo pela manhã a água estava batendo na minha calçada, tendo em vista que minha casa é uma das mais altas, enquanto em outras casas a água batia no peito", relatou.

Rodrigo Ramos é outro jogador casual que sofreu com as enchentes já que, assim como gonZo, teve as próprias casa e local de trabalho alagados. Ele é morador de Eldorado do Sul, município no qual 76% da população está desalojada. A casa onde mora ficou alagada pela metade, fazendo com que precisasse abandonasse tudo, inclusive o carro. O mesmo aconteceu com a lanchonete localizada na mesma cidade.
"Só peguei os animais e abandonei a casa. Não tive outra opção. Deixei até o meu carro porque perdi a oportunidade de sair com ele. No momento em que a água começou a subir no condomínio onde moro, fui ver como estava a rua e lá a água já estava na cintura. Com isso não dava para sair com o carro. Tentei deixar o sofá, eletrodomésticos e o meu computador em lugares elevados. Mas meu monitor foi pego pela agua porque não tive tempo de tirá-lo do suporte já que a água subiu muito rápido", afirmou.
Os jogadores que perderam tudo e conversaram com a reportagem afirmaram que se encontram em lugares seguros. Ramos foi para a casa de familiares da namorada, enquanto gonZo se abrigou na casa de amigos.

Ajudando as pessoas
Por limitações físicas, boltz não pôde atuar na linha de frente dos resgates, o que não impediu o vice-campeão mundial de 2017 ajudar a população afetada. Desde que conseguiu voltar a streamer, o jogador vem arrecadando doações nas streams e também redes sociais. Os valores estão sendo utilizados nas compras de alimentos, roupas e agasalhos distribuídos pelos abrigos de Canoas.
"Estou usando a minha influência com os meus seguidores para impactá-los o máximo com o que está acontecendo por aqui. Eu mesmo doei bastante, desde dinheiro à roupas e todos os dias estou realizando compras com as doações que venho recebendo para levar aos abrigos pessoalmente. Estou tentando fazer o máximo", explicou.
Sobre o valor já doado, partindo do próprio dinheiro e da arrecadação que lidera, boltz estimou que ultrapassou os R$ 20 mil. Quanto aos abrigos que ajuda, disse que está usando o site SOS Rio Grande do Sul para escolher os locais
"Sempre vou em um diferente e nesse site consta uma lista com os amigos. Fui em um localizado numa igreja e fizemos compras do que estavam precisando. Depois busquei um servidor de internet que vem sendo utilizado como abrigo e para lá levamos alimentos e agasalhos após pedido da responsável pelo local. Levamos mais de 30 cobertores para lá", contou.
Além de boltz, quem também vem ajudando a população afetada é Matheus "heartafire" Ribeiro, que é da capital Porto Alegre, próximo ao bairro Sarandi, e já competiu no Black Squad, no Counter-Strike e no VALORANT. Ribeiro e o irmão estiveram na linha de frente dos resgates.
"Eu e o meu irmão fomos de moto até o local onde estava rolando os resgates preocupados em saber onde a água estava. Chegamos lá, vimos a situação e quando demos conta já estávamos na água ajudando as pessoas. Não foi algo pensado, e o que me levou a ajudar nos resgates foi ver as coisas acontecendo na sua frente. Eu e meu irmão também estivemos em Canoas, no bairro São João, onde também entramos na água e ajudamos bastante gente", afirmou.
Segundo heartafire, a situação nos bairros afetados é muito mais complicada do que as pessoas imaginam: "Quando você chega no local e vê as pessoas saindo andando pela água só com a roupa do corpo, não sabendo se vão poder voltar ou não e sem ter para onde ir, ou você vai para dentro da água, ou assiste, e só assistir foi algo que nos incomodou".
boltz segue a mesma linha de heartafire quando fala sobre o que viu de perto. "Cenário de guerra" foi a expressão utilizada pelo jogador, afirmando que as pessoas só têm dimensão quando enxergam. "Peguei meu carro e fui na rua, e o que vi parecia cenário de guerra. Nesse caminho tive vontade de chorar o tempo inteiro porque eram crianças correndo, o trânsito uma loucura total. E foi assim que tive a real percepção do que estava acontecendo. São muitas pessoas saindo das próprias casas só com as roupas do corpo e molhadas. Vi muitas cenas assim e é muito triste", apontou.

As chuvas no Rio Grande do Sul
Os fortes temporais que causaram as enchentes no Rio Grande do Sul começaram entre o fim de abril e o início deste mês. A situação foi classificada pelo governo gaúcho como a maior catástrofe climática do estado.
O boletim da Defesa Civil emitido nesta sexta-feira diz que, até o momento, 154 pessoas morreram, outras 98 seguem desaparecidas e o número de feridos é de 806. Mais de 618 mil pessoas precisaram sair das próprias casas, sendo que mais de 540 mil delas estão desalojadas.
Leia também

