kNg se diz "maior culpado" da 00Nation e vê haters como "motivação extraordinária"
"O cenário está quente, mas está sentindo a falta do rei".
É assim que Vito "kNg" Giuseppe, que não joga uma partida oficial desde novembro do ano passado, vê o atual momento do CS:GO brasileiro. Vivendo o que define como uma "vida de empresário", o jogador de 29 anos dedicou os últimos meses para transformar o Plano, tag que se popularizou em 2020, numa organização multidisciplinar sediada em São Paulo.
"(Passei os últimos meses) construindo todos os braços da organização, música, podcast, games, eventos. Estamos trabalhando em várias frentes e isso é um pouco cansativo, mas é muito prazeroso", disse kNg em entrevista exclusiva à Dust2 Brasil.
"Estou deixando tudo certo para, quando voltar a jogar, estar 100% dedicado e a empresa estar nas mãos de pessoas competentes para cuidar dela, e eu me preocupar com o que de fato eu tenho que fazer", completou kNg.
Mesmo que tenha passado todo esse tempo muito ocupado, kNg disse que sente muita falta de disputar campeonatos - e, a partir de agora, fará isso tendo uma liberdade que não teve em outras organização.
"Sou um competidor nato, não gosto de me ausentar, e isso infelizmente já aconteceu diversas vezes na minha carreira. Entrando na reta final dela, não quero mais ninguém falando sobre o que eu devo ou não fazer", disse.
"Tenho experiência de ter passado pelas melhores equipes do Brasil, jogado com os melhores jogadores do Brasil, então tenho essa expertise sobre como deve ser um projeto e agora vou liderar esse time", continuou.
O maior culpado
Antes de contar os planos do Plano, kNg refletiu sobre o fim da primeira escalação da 00Nation. Ambicioso, o projeto começou com o ideal de brigar pela liberação do uso de elenco de seis jogadores, mas acabou com resultados ruins e sem conseguir a classificação para o PGL Major Stockholm, o grande. O grupo, que um dia foi exemplo de união e amizade, acabou ruindo - hoje kNg não tem contato com mais nenhum de seus ex-companheiros.
"Passamos por algumas situações que, se não tivessem um certo nível e grau de amizade, não passaríamos. A maneira mais gostosa de jogar Counter-Strike é quando você olha para o lado e de fato quer que aquela pessoa esteja com você, compartilhando as vivências, então sempre fui um cara que tentei o máximo fazer com que o grupo fosse unido", contou kNg.
"Dói mais quando algo não se concretiza quando você está com as pessoas que você gosta, é uma dor que eleva, mas acho que tudo faz parte de um aprendizado, um ensinamento. Eu estou aqui nesse mundão para aprender, tenho consciência disso. Nesse caminho eu tive muitas e muitas falhas, posso falar que talvez eu seja o maior culpado deste projeto não ter dado certo. Peguei tudo de experiência que errei e espero não errar agora com esse próximo time"
Um desses erros, conta kNg, é ter dado muita liberdade para o time no início de 2021, com a entrada de Henrique "HEN1" Teles e a saída do MIBR. Para o veterano, foi "muito cacique para pouco índio".
"Um dos problemas é que tivemos muitos questionamentos de como deveríamos jogar. Acredito que, quando passamos por aquele tempo do MIBR, na montagem daquele time, isso não existia muito. Vou ser bem sincero, não dei muita liberdade das pessoas opinarem, porque tínhamos pouco tempo para fazer a coisa acontecer, eram sete dias de treino. Eu e cogu tomamos conta da estrutura do time e fizemos acontecer da forma como nós dois pensávamos", afirmou.
"Depois da entrada do HEN1 e outras coisas, nós abrimos isso, falamos sobre ter um tempo para trabalhar. Nada mais justo do que todos nós tenhamos mais voz, e que os jogadores tivessem mais voz para opinar sobre como deveríamos de fato jogar. Acredito que, eu ter dado essa liberdade, que julgo necessária, foi um erro", completou kNg.
O jogador disse que, ali em diante, virou "uma bagunça".
"Muita gente falando, cada um querendo jogar de um jeito e as ideias começam a entrar em conflitos, aí o time joga um pouquinho de cada (jeito), não faz o que todo mundo quer, vira uma bagunça. É preciso ter um líder, que assuma as responsabilidades, e acho que eu fui dividir a minha própria responsabilidade e eu mandei mal nisso, e agora espero ter um cara que vai dividir essa responsabilidade e tenhamos três caras focados em jogar. Um time com muitos (jogadores) com personalidade de estrela se desvirtua", completou.
Sobre meninos e cabeças brancas
Com o Plano, kNg espera que as coisas sejam diferentes.
"Espero que, por ser uma organização minha, uma criação minha, o time do Plano se torne uma família e que a gente consiga (ser unido fora do jogo), porque a cara do Plano é a cara do brasileiro, de amizade, então não consigo ver um time, mesmo que eu não conheça as pessoas, que não tenha essa familiaridade, a brincadeira, o alto astral, a música rolando", disse.
O jogador vai levar fatores externos em consideração na montagem do novo time do Plano, mas o primordial ainda vai ser a bala.
"Pra fazer um time que quer ser campeão, chegar em grandes torneios, precisa ter uma qualidade técnica elevada, então esse é o primeiro ponto", explicou.
O segundo? Personalidade.
"Acredito que, para um time encaixar, não tem que ter cinco pessoas com a mesma personalidade, elas tem que ser diferentes. Não adianta ter cinco caras que ouvem funk, e brigam, xingam, zoam, e não ter um cara um pouco mais sereno. Tem que ter esse equilíbrio, e a montagem da equipe está em cima disso", explicou.
kNg disse que foi ao mercado e tem conversado com diversos jogadores, mas tem esbarrado em alguns que "só pensam no dinheiro".
"Sabemos que se você tem um time competitivo, um time que é bom, e você trabalha ele midiaticamente, o retorno chega, marcas se interessam e patrocinadores querem entrar, são várias coisas que fazem você ganhar dinheiro. A minha dificuldade é encontrar pessoas que de fato querem ser campeãs", contou.
"Hoje, infelizmente, eu esbarro em muita gente que pensa no dinheiro primeiro e essas pessoas não estão na mesma página que eu, então não faz muito sentido a gente forçar algo. Eu quero que seja um time de base humilde, que queira evoluir, estou num processo de menos estrela e mais grupo, estou atrás de personalidades que queiram aprender, porque sou um nerdaço de Counter-Strike", completou o jogador, que disse que o "jeito maloqueiro" só engana.
"Eu gosto de me aperfeiçoar e entender como as coisas funcionam, e quando você está no tier 1, por onde eu já passei várias vezes, você sabe que segundos fazem toda a diferença, uma leitura, uma informação, e eu quero passar isso para as pessoas que são mais jovens, e para passar isso, preciso de pessoas que querem ouvir. Entendemos que tem pessoas novas que às vezes parecem que sabem de tudo e nunca jogaram porra nenhuma em lugar nenhum. Eu quero pessoas humildes que queiram aprender e que queiram fazer desse ambiente algo leve, porque é complicado quando você tem que ensinar na marra, quando você passa uma ideia e o cara não quer nem tentar entender o que é. Quero participar de um grupo que esteja se abraçando nas ideias de jogo, na mesma página e queiram aprender. É disso que o Plano está correndo atrás", continuou o jogador.
A missão, porém, não será fácil, já que kNg vai enfrentar concorrências de organizações até de fora do Brasil, que estão de olho no cenário constantemente. Além do investimento próprio, o jogador garante que o Plano está com "ótimos parceiros" para brigar num mercado que tem "coisas exorbitantes".
"Ainda encontramos jogadores ganhando pouco e com multas astronômicas, acho que isso é uma parada um pouco mais complexa, que o Plano e o kNg também querem ajudar isso. Passei por mais ou menos 10 contratos na carreira, então tenho uma boa experiência para falar sobre isso, acho que tem coisas que tem que ser melhoradas e deveria ter algo que ajudasse também os jogadores", disse.
"Eu estava negociando com alguns jogadores agora, com valores muito altos para o Brasil, pagar R$ 35 mil para um jogador de CS, o que para o nível brasileiro é alto, e para uma organização estrangeira é alto, mas nem tanto. Tem coisas que, de fato, queremos dar um boom no mercado. São algumas barreiras, mas acredito que o Plano é gigante, tem grandes parceiros e muitas coisas acontecendo. Acredito que isso não vai ser um problema", completou.
kNg entende que, um fator que pode ajudar na confecção dos contratos com o Plano, é que ele não é um "cabeça branca".
"Eu sou o Plano, sou dono de organização, mas eu sou de jogador para jogador. Não sou um cabeça branca que está colocando dinheiro e quer explorar o mercado, quer sugar até a alma dos jogadores".
Além dos parceiros para financiar o time, kNg também quer um companheiro para lidar com jovens que terá no time. A ideia é que a base do Plano conte com ele e mais um jogador mais experiente, que ele ainda está procurando.
"Quero dividir um pouco dessa responsabilidade com algum jogador experiente e apostar em uma molecada nova. O que vocês podem esperar é que estamos atrás de jogadores experientes e vamos mesclar isso com uma juventude boa, com uma molecadinha que corre, dá bala e você nem vê, uma mira dura e rápida", disse.
E, quando tiver o seu quinteto definido, o Plano já tem clareza nos caminhos a serem seguidos. O time quer permanecer no Brasil e ajudar a valorizar mais o cenário nacional.
"Hoje a expectativa de um jogador é de ir para fora, e eu acredito que temos a maior fan base do planeta Terra e porque não transformar isso num cenário brasileiro? Por que temos 500 visualizações num jogo brasileiro e quando vamos para um campeonato (lá fora) colocamos 200 mil? Obviamente é pelos times, por tudo, mas acredito que dá para dar uma melhorada no cenário", disse kNg.
"É muito importante ter jogadores que se consolidam no Brasil. A maioria que saiu bem estava consolidada aqui, ganhavam campeonatos aqui, e quando eles foram para fora tiveram outro tipo de resultado. É muito importante passar pelo "terrão", e aí sim ir para o gramadinho legal da Europa ou da América do Norte", completou.
kNg também acredita que a situação pode mudar no futuro, já que os times sul-americanos têm varrido as vagas disponíveis na América do Norte.
"Acredito também que algumas coisas vão mudar futuramente, acredito que os campeonatos já devem estar se ligando que os times sul-americanos estão pegando as vagas no NA, então a tendência futura é que esses times voltem ao Brasil e tenhamos aqui vários campeonatos com vagas internacionais e, se Deus quiser, o Elon Musk passa um cabo pelo mar e faz com que a gente consiga jogar um CS daqui do Brasil com um time europeu, seria magnífico, pouparia dinheiro de organização e nos deixaria em outro nível, porque poderíamos treinar com qualquer parte do mundo", disse.
"O Brasil é um cenário muito forte, temos grandes times como FURIA, Imperial, paiN, GODSENT, 00, e outros times aqui no Brasil, como a Sharks, que tem um nível muito forte. O cenário do Brasil é o maior e deveríamos olhar para o cenário brasileiro como um todo, parar de procurar campeonato lá fora, e valorizar o Counter-Strike brasileiro, até para que tenhamos mais times de qualidade jogando grandes torneios", completou kNg.
"Eu continuo sendo o kNg"
Quem vê kNg falar da multidisciplinaridade do Plano, de formar um time, de ajudar jovens, de fortalecer o cenário nacional se questiona se o capitão não está, mais uma vez, tentando abraçar o mundo. kNg não vê isso como um peso, mas uma responsabilidade.
"Não estou aqui para falar que é fácil, pelo contrário, é muito difícil. Eu sou movido a desafio, sou um cara que gosta de testar os meus limites, gosto de quebrar barreiras. O Plano foi uma das coisas mais importantes que aconteceram na minha vida, aprendi muito sobre tudo", disse o jogador, que agradeceu a Karine Dutra, sua esposa, e prometeu que mais pessoas serão incorporadas à organização.
"Eu quero ser um cara que, no fim do dia toma algumas decisões, mas que não participa diretamente de tudo que tem que acontecer. Quero focar no CS. Acho que esse é o caminho para que eu não queira abraçar o mundo e acabe tendo que ser empresário, pai, jogador e ficar cuidando disso e daquilo, aí entre para jogar um CS medíocre. Tenho uma carreira com uma história que eu acho foda e é de extrema importância ser competitivo e entrar para ganhar. Se eu não conseguir exercer minha função de jogador, não faria sentido eu voltar a jogar e continuar", disse.
De volta ao jogo, kNg vai voltar a conviver com os haters. Um dos mais amados jogadores do Brasil, ele virou alvo de muitas críticas e zoações após seu projeto da 00Nation não ter funcionado. O jogador, porém, diz que está em paz.
"Eu me sinto um pouco, mas vou falar para você, estou em pura paz. Acredito que quanto mais haters eu tenho, mais no caminho certo estou. Quando eu tinha poucos haters, eu errava muito mais que eu erro hoje. Hoje um erro meu é visto grandemente. Eu pago um preço pelos erros que cometi no passado e para mim está tudo ok", disse.
"Se as pessoas quiserem focar nisso, nas coisas que eu fui no passado. Eu era outro cara, eu tenho uma família e tal. Não dá pra falar que mudei da água pro vinho porque eu continuo sendo o kNg do passado. Eu sou esse cara, tenho orgulho da minha caminhada no CS".
kNg disse que muitos dos seus críticos não gostam dele porque "é maloqueiro" e tem uma personalidade forte. Mas, tem um certo tipo de crítica que o deixa bravo.
"Sempre acontecia uma parada que era assim, 'eu não gosto da personalidade do kN porque esse cara é um merda, mas o filho da puta da bala, o desgraçado dá bala'. Mas agora está acontecendo uma parada que 'o kNg é horrível, ruim demais, não troca tiro com ninguém', e isso me traz uma motivação extraordinária. Você não gostar da minha personalidade tudo bem, mas se você me falar que eu sou ruim, eu vou te provar o contrário", disse.
Por fim, kNg garante que está preparado para ouvir as ofensas de sempre - e que já está calejado de apanhar.
"Estou em paz com tempo, com essas paradas, e pronto para a próxima. Essas costas são quentes, tem facada, tiro, um monte de coisa que já aconteceu, e estou aqui firme e forte, estou alegre e motivado para fazer esse projeto embalar", finalizou.