Davi Barretto, o dance, em entrevista à Dust2 Brasil

Do não ao MIBR ao pódio de BT: a história de dance

Hoje trabalhando com streamer da Tribo, Davi Barretto relembra primórdios do CS brasileiro, conta porque foi o 1º jogador a recusar o MIBR e comemora sucesso

Quem vê, de relance, Davi Barretto nas entradas ao vivo durante a transmissão de Alexandre "Gaules" Borba, não imagina que ele é um verdadeiro poço de conhecimento sobre os primórdios do Counter-Strike no Brasil. Hoje gerenciando a carreira de Fellipe "bt0" Moreno e atuando como produtor durante as viagens do streamer para cobrir campeonatos, o brasiliense de 40 anos, em um passado não muito distante, foi o primeiro jogador a recusar o MIBR.

"Não é que eu neguei, não foi isso", contou em entrevista à Dust2 Brasil. Voltaremos a essa história mais tarde, antes, é necessário entender um pouco do nutricionista que largou a carreira para trabalhar ao lado de um velho amigo.

E ele lembra, com detalhes, qual foi seu primeiro contato com o jogo.

"Agosto de 1999, peguei um CD de Half-Life e tinha o beta do CS. Versão 0.1, instalei no PC em casa, jogando num servidor brasileiro chamado Unigames, ou no Darkside, 32 contra 32. Na época não existia lan-house em Brasília", contou.

E dance iniciou sua carreira - que nem de longe era tratada como profissional na época -, atuando pelo G.A.T, um time inteiramente formado na internet. Com os amigos do Esquadrão da Morte de Brasília (EMB), ele começou a participar das primeiras disputas presenciais.

"Começamos a fazer as lans, juntando todo mundo num prédio abandonado de um amigo nosso, o Logan, e nos reunimos lá. Cada um com seu computador, jogávamos 16 contra 16, 8 contra 8", lembrou.

Um tempo depois, um procedimento cirúrgico tirou dance da cena por cerca de seis meses, mas as lan-houses finalmente começaram a ficar populares em Brasília. dance voltou à ativa e passou a frequentar, e trabalhar em uma delas, a Monkey, um pilar dos esports no Brasil.

"Por gastar muito dinheiro lá, eu pedi para o dono deixar eu trabalhar na LAN, e aí eu trabalhava lá e jogava muito, mais jogava do que trabalhava", lembra dance, que adiciona que o turno era das 14h às 20h, mas chegava às 9h para começar a jogar.

dance na LanBlaster, em Brasília, em 2002 (Foto: Arquivo pessoal)

Como já era figurinha carimbada em Brasília, dance foi convidado para fazer parte do EMB, time que, segundo ele, era uma "família com mais de 40 jogadores". Os times iam de 1 a 6, e o jogador começou no 3.

"Estava voltando, meio enferrujado, fui treinando , do EMB 3 eu fui para o EMB 1, porque um dos jogadores teve que parar de jogar e surgiu a oportunidade. Eles me conheciam, sabiam do meu potencial. Começamos a treinar sério para os campeonatos que viriam", contou.

"Começou a ter muita lan-house em Brasília, chegou a ter umas 80. Todo lugar tinha uma, todo dono queria divulgar a sua e tinha campeonato o tempo inteiro. Nós participávamos de todos os campeonatos, e consequentemente, começamos a ganhar vários", lembrou.

Foi aí que as coisas começaram a ficar mais palpáveis para dance. Ele viu os amigos do EMB 2 se tornarem os rivais do Six Clan e jogou ao lado de Carlos "KIKOOOO" Segal, campeão mundial pelo MIBR em 2006 e uma referência do cenário brasileiro. Mas dance era revoltado demais para o capitão.

"Não fomos muito bem nessa lineup, porque o KIKOOOO era o capitão e eu era aquele jogador revoltado, que não cumpria muitas coisas, só queria sair matando, tivemos muitas intrigas", relembrou.

O EMB embarcou para seu primeiro nacional em 2001, na final da Liga Monkey, e acabou sendo vice-campeão após derrota para o g3nerationX - que, após o campeonato, contratou KIKOOOO. Dali em diante, mais nacionais surgiram, incluindo a CPL Tilt 2001, no Rio de Janeiro, um evento histórico, que contou com a participação da escalação alemã da SK - que viajou em algumas ocasiões ao Brasil para conseguir vagas contra adversários até então mais fracos. dance também conta que esse foi o primeiro campeonato nacional de Raphael "cogu" Camargo, principal nome do Brasil no CS 1.6.

dance treinando com o GoldenGlory em 2004 (Foto: Arquivo pessoal)

Depois de mais alguns torneios, dance deixou o EMB e, em São José dos Campos, no interior de São Paulo, fez o que ele diz ser o primeiro 5k da história do competitivo no Brasil.

"Foi minha melhor experiência nacional essa, porque foi onde eu matei cinco de uma vez, e foi a primeira vez que isso aconteceu em um campeonato nacional. Foi muito foda, tem até um vídeo sobre isso", disse.

"Aquilo foi muito inédito. Eles levantaram e começaram a aplaudir. Mas tomamos uma peia mesmo assim, perdemos", completou.

A vida de competições se expandiu para dance, que deixou os times locais do Distrito Federal e passou a atuar pelo GoldenGlory, de Curitiba. De acordo com o veterano, a equipe foi uma das primeiras a treinar pela internet. A decisão foi tomada porque "Brasília parou no tempo". Foi atuando ao lado do GG, em 2004, que Davi recebeu um famoso chamado.

Não? Não é bem assim

Como os treinos pela internet ainda não tinham condições ideais, era normal que algumas equipes fossem para outras lan-houses para treinar com os times da casa. Um dos pouquíssimos times estruturados e assalariados da época, o MIBR tinha um "CT" próprio no Rio de Janeiro e convidou o Golden Glory para passar um tempo treinando contra.

"Teve um convite do MIBR para treinarmos na MIBR LAN, porque eles precisavam de um time para treinar. Como tínhamos poucos times de topo, muitos não queriam treinar entre si", explicou.

"Treinamos contra eles e foi muito bom, eles ganharam, nós ganhamos. No campeonato eles destruíam, mas nos treinos íamos muito bem. Consegui mostrar meu jogo tanto como jogador quanto como capitão", completou o veterano.

Drope, dance e LoganSAN na MIBR LAN em 2004 (Foto: Arquivo pessoal)

Como tudo ainda era novidade, um dos jogadores do Golden Glory não pode viajar e o time chegou desfalcado ao bootcamp. Situações como aquela já deixavam claro para dance que, em pouco tempo, ele teria de fazer escolhas entre a "vida real" e as competições.

"Eu queria uma coisa mais séria para mim, porque um cara do meu time não pode ir para o bootcamp, então tivemos que ficar com um complete do Rio de Janeiro. O melhor do meu time, o BitchX, não pode ir, e mesmo assim dávamos pau a pau com o MIBR lá", contou.

"Fiquei mais ou menos um mês no Rio, fiquei na casa do pava, criamos uma relação muito forte, e nesse tempo, o MIBR teve uma crise com um jogador e eles precisavam de alguém. Eu tive uma conversa com a direção, o manager, conversei com o Paulo Velloso sobre uma possibilidade de eu me mudar para o Rio", relembrou.

Mas aí veio uma desilusão que marca a vida de dance até hoje: não foi ele quem negou o MIBR - foi sua mãe.

"Conversei com a minha mãe e ela não entendia sobre essas questões, mesmo ela sabendo que eu gostava, tinha talento, ela falava que isso não dava futuro. Aí ela falou: 'ou é sua família ou é você mudar para o Rio pra jogar joguinho'. Ela me deu um ultimato", relembrou.

"E eu fiquei muito mal de cabeça. Eu agradeci (o convite do MIBR), desconversei, não sabia lidar com essas situações profissionalmente, porque era muito novo para mim. Falei para a galera que não dava, agradeci e foi isso que aconteceu. Eu tive que escolher meus estudos e trabalhar em vez de jogar CS", completou.

dance disse que, naquele momento, desistiu da carreira.

"E aí, naquela época, isso me deixou muito triste, porque pensei que, se não podia aumentar o degrau e ter algo melhor, não tinha porque eu jogar mais", contou.

Ali, a relação entre dance e o CS começou a esfriar. Ele trocou o FPS pelo MMORPG, desistiu do Counter-Strike e mergulhou no World of Warcraft. O único fio que sustentou a relação com o jogo o qual ele tinha dedicado anos de vida foi a amizade. Ele foi treinador dos amigos do inSanity, que contava com nomes como Alan Diego "adr" Riveros, Pedro "Maluk3" Campos e Vitor "eleito" Estiva, e também chegou a jogar uma seletiva nacional da WCG em 2008 ao lado dos amigos Jean Michel "mch" D'Oliveira, Filipe "bt0" Moreno e aDr.

dance com bt0, aDr, Maluk3 e outros jogadores do inSanity no pré-qualify da WCG em 2008 (Foto: Arquivo pessoal)

"Eu só acompanhava os meninos de Brasília porque era um sonho que tentei e eles estavam percorrendo, então eu torcia muito para eles. Tanto que eles começaram a ganhar algumas coisas, tiveram o patrocínio do playArt, depois do MIBR, eu fiquei muito feliz por eles. Fazia questão de viajar com eles para vê-los jogando KODE5, Acervus Cup, g3x Cup, sempre estava ali, mas nunca procurando notícias, porque foi algo que passou. Minha época tinha passado e eu respeitava isso. Mas, eu adorava acompanhar os meninos de Brasília", disse.

Passando batido

dance seguiu sua vida, concluiu os estudos e passou a atuar como nutricionista, além de jogar WoW nas horas vagas. Ele passou batido ao lançamento do CS:GO em 2013, disse que não gostou do jogo por conta do som, e seguiu sem prestar muita atenção. Raramente via os amigos das antigas em destaque, mas não assistiu nem o Brasil vencer os Majors.

"Eu fiquei sabendo que o Brasil ganhou o Major por notícias, eu não vi a final. Aí eu vi o FalleN, e eu lembro de jogar contra ele na internet. O próprio fnx que eu já joguei contra, já ganhei, era garotinho, do tamanho do Liminha", lembrou.

"Isso me deixou feliz, porque o CS brasileiro finalmente estava no top 1 do mundo. Na minha época, os gringos vinham para cá e detonavam com a gente. Nós os chamávamos de cheaters", completou.

As conquistas dos antigos adversários não fez com que dance voltasse a se interessar por CS, mas em 2017 ele voltou a viver uma vida próxima daquela que tinha sido tirada dele em 2004.

Grande baque

Davi não entrou em detalhes, mas diz ter tido um "grande baque" na atuação como nutricionista em 2017, o que fez ele mergulhar no mundo das streams. Jogando WoW há 12 anos e consumindo conteúdo ao vivo "desde que a Twitch era Justin.tv", ele decidiu fazer streams do MMORPG.

"Muita gente vinha, me conhecia do CS das antigas, mas me conhecia também pelo WoW", contou dance, que afirmou que sua guilda conseguiu uma série de first kills - ser a primeira a matar um novo boss do jogo -, no Brasil.

"Eu comecei a streamar como terapia por conta de um problema que eu tive. Tive depressão e tal. Era uma terapia, eu gostava, e consequentemente, eu capitalizei essa stream, comecei a fazer todos os dias, para comprar um pãozinho, ganhar um tostãozinho", contou.

Em 2018, ele voltou ao competitivo, mas agora no WoW, fazendo narrações para campeonatos oficiais da Blizzard no Brasil. O longo tempo na frente do computador acabou comprometendo a saúde de Davi, que engordou muito.

"Em 2020, no início da pandemia, foi quando eu falei que não conseguia mais streamar. Eu estava com 149kg. Um nutricionista que engordou para caramba. Aí eu vi que precisava mudar meu mindset, mudar umas paradas, ficar menos tempo na frente do PC e tudo mais", afirmou.

dance fazendo transmissões de World of Warcraft na Twitch (Foto: Arquivo pessoal)

Enquanto dance tentava largar, um grande amigo estava começando: bt0. Mesmo que eles tivessem se afastado, os dois nunca perderam o contato.

"Voltamos a ter muito contato, a conversar, e falei que poderia ajudá-lo, não necessariamente trabalhando, mas fazendo certas coisas, dando ideias e tal. E casou. Nós sempre tivemos pensamentos iguais de entretenimento, e alguns meses depois que estávamos juntos, ele me convidou para trabalhar para ele, e estamos aí até hoje", disse.

"Eu disse que só queria pagar aluguel e a consequência viria do trabalho que a gente fizesse e da paixão que colocássemos nas coisas. Falei que acreditava no potencial dele e falo até hoje. Acredito muito no potencial dele como pessoa que gera entretenimento para o público e acho que ele pode ir muito longe, independente de eu estar trabalhando ou não. E casou muito bem. Temos um vínculo de trabalho muito bacana, viajando e trabalhando juntos, se divertindo", completou.

Escolha de Deus

Hoje, dance é responsável por cuidar da carreira de bt0 e, nas viagens, atua como produtor, fazendo o corre para que o amigo possa brilhar na frente das telas. E é feliz.

"Eu estou realizando um sonho meu. Viajar, viajar para trabalhar com Counter-Strike, algo que sempre sonhei. Antes eu queria viajar para jogar, mas hoje eu viajo para contemplar os jogadores, a galera, vocês, repórteres, a gente que vem cobrir os eventos. Isso que estou vivendo é um sonho. Cada campeonato que eu venho é um sonho virando realidade", disse.

Liminha, Davi, Vitinho e bt0 durante o RMR das Américas em Monterrey, no México (Foto: Arquivo pessoal)

dance diz que gostaria de ter estendido um pouco sua carreira, "até 2009 ou 2010", porque sempre foi um competidor, mas "não mudaria nada".

"Eu acho que, ao mesmo tempo, Deus escolheu isso para mim e estou feliz onde eu estou", afirmou.

Mesmo que por caminhos tortuosos, que o derrubaram, a vida deu a Davi uma dádiva: a de saber assistir as vitórias de seus entes queridos, principalmente de bt0.

"Algo que eu aprendi foi ver a glória das pessoas que eu amo. Contemplar um amigo seu no pódio é algo muito generoso. Hoje, ver o que ele já alcançou e o que pode alcançar mais, com o potencial que tem, me nutre e me deixa feliz. Estou muito realizado com o trabalho que estamos fazendo, mas não satisfeito", finalizou.

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#1(Com 0 respostas)
7 de julho de 2023 às 13:01
was_andarilho
Que história. O cenário do CS brasileiro tem umas histórias muito foda
#2(Com 0 respostas)
8 de julho de 2023 às 14:30
Reds
que god, não sabia que o davi era o dance, essa epoca do 1.5 / 1.6 na internet era muito dahora, geral entrava no mixbr@quakenet pra caça mix e fake, bons temposss!
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